Folha de S. Paulo


Opinião: Sertãozinho no Financial Times, uma leitura mais atenta

O texto de Samantha Pearson para o "Financial Times", com tradução postada na Folha faz uma análise parcialmente correta, talvez suscinta, ou até simplista de Sertãozinho e sua relação com o etanol. O assunto merece um pouco mais de profundidade.

O passado que Ms. Pearson se refere no artigo, período anterior a 2008, é realmente um tempo de lembrança gloriosa para Sertãozinho, assim como também o é para o resto do mundo, quando a economia internacional ainda não havia sido tocada pela grande crise do sub prime americano. No Brasil, o investimento no etanol, objeto de retorica do então presidente Lula, era realmente uma grande promessa.

Mesmo após o estouro do Lehman Brothers, um olhar mais atento, veria também muitas outras promessas. Por exemplo, admitimos que o tsunami econômico internacional não atingiria o Brasil, que aqui seria apenas uma "marolinha". A "The Economist" mostrava na sua respeitável capa o Cristo Redentor "decolando" do Corcovado em direção ao primeiro mundo.

Neste período de grandes expectativas, não faltaram empresas multinacionais que trouxeram seus investimentos para engrossar a esperança de transformar o etanol numa nova commodity internacional, que além de lucros, oferecessem também externalidades de sustentabilidade.

Embora afirme a jornalista, que tivemos taxas de crescimentos comparáveis com a China, infelizmente fomos bem mais modestos, explorando nossas commoditties agrícolas e minerais, vendidas principalmente para a própria China a preços extraordinários. Açúcar contribuindo.

Mas, passado algum tempo, realmente houve grandes mudanças. A marolinha cresceu, as finanças internacionais entraram em colapso com o sub prime americano, os preços das commodities brasileiras perderam força e para represar a inflação o governo congelou o preço da gasolina, deprimindo o etanol.

Também descobriu-se o pré-sal; muito embora uma descoberta especialíssima para o Brasil do futuro, o pré-sal eclipsou o etanol, e comprometeu ainda mais seus resultados de curto prazo. O Brasil dormiu como a celebridade da energia limpa, e acordou como um novo sheik do Petróleo.

Até aí, o artigo de Samantha tem lastro. Mas a partir daí, merece reparos. Embora todo o exposto deprima a economia de Sertãozinho, dependente do etanol, estamos longe de vê-la desértica.

É preciso ressaltar que temos uma infraestrutura industrial invejável, com um parque produtivo de qualidade internacional, com um competente sistema de formação profissionalizante e um histórico de enorme contribuição a indústria brasileira.

Temos mais de 600 indústrias com grande experiência no mercado de bens de capital, e com capacitação tecnológica para integrar novos segmentos, inclusive, o pré-sal. Desafio, pessoalmente, qualquer analista de mercado e tecnologia a indicar dentro do mercado brasileiro um cluster de bens de capital que possa desqualificar Sertãozinho.

Não é arrogância dizer que Sertãozinho é, a bem da verdade, uma esperança industrial para aliviar as grandes pressões que o pré-sal vai enfrentar diante das dificuldades de fornecimento de equipamentos e tecnologia.

Enfim, a jornalista está correta na percepção do "estrago" do etanol. Porém está equivocada com a visão desértica de nossa cidade. É verdade que tivemos redução na produção industrial adicionada, mas ainda temos um nível de atividade invejável, com perspectivas de instalação de dois novos shopping centers na cidade, sem contar a expectativa de demanda de mais de cem usinas, para enfrentar o consumo projetado para os próximos dez anos.

Muitos são os desafios para vencer a curto prazo, mas o patrimônio produtivo é significativo, o domínio tecnológico é consolidado e os projetos de longo prazo são estimulantes.

Feito o reparo, aproveitamos o texto de Samantha para adicionar algumas reflexões dirigidas aos nossos governantes.

Claro que dependemos de políticas públicas macroeconômicas que estruturem uma retomada de investimentos em novas unidades produtivas. Para isto, precisamos de regras claras para a participação do etanol na matriz energética, com preços que gratifiquem o investimento e não sejam instrumentos de subsídios a gasolina.

Diante dos novos tempos, é evidente, contamos com a diversificação de mercados,inclusive o pré-sal que pode oferecer à nossa indústria, novas oportunidades, como contrapartida a tudo que Sertãozinho já fez pelo petróleo brasileiro, direta e indiretamente.

Para finalizar, um contraponto aos devaneios das últimas horas: a celebridade energética da hora não é mais o pré-sal brasileiro, mas o xisto americano. Não sabemos até quando os sheiks do petróleo, Brasil supostamente incluído, serão tão valorizados. Reflexão de um amigo de futebol: "não seria melhor um etanol na mão do que um óleo voando?".


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