Folha de S. Paulo


Experiência com babá inspirou pesquisas da futura presidente do Fed

Quando os economistas Janet Yellen e George Akerlof decidiram contratar uma babá para seu filho, no começo dos anos 80, decidiram pagar salário superior à média do mercado.
Calcularam que uma babá mais feliz cuidaria melhor do menino.

A decisão não só atraiu uma série de excelentes babás como inspirou o casal, os dois professores de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley, a desenvolver uma nova teoria sobre o mercado de trabalho que continua a influenciar as justificativas que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) emprega para suas medidas de estímulo ao crescimento do emprego.

Os dois asseveraram que os empregadores muitas vezes buscam melhorar o moral dos funcionários pagando salário superior ao mínimo necessário, o que tem como efeito impedir que algumas pessoas encontrem empregos. E durante períodos de desemprego elevado, afirmaram, o estímulo monetário pode elevar a demanda por mão de obra - o que refuta diretamente a posição dos economistas clássicos, de acordo com os quais o Fed não teria grande papel a desempenhar no combate ao desemprego.

Passados 30 anos, Yellen e o debate sobre as capacidades do Fed se transferiram do mundo teórico da academia para o banco central mesmo. Como vice-chairman da instituição desde 2010, ela pressiona por medidas mais fortes de redução do desemprego, rebatendo as dúvidas de outros dirigentes do banco central sobre o valor de continuar a expandir a já imensa campanha de estímulo do Fed.

Yellen, 67, agora foi apontada pelo presidente Barack Obama para suceder Ben Bernanke como chairman do banco, no final de janeiro, em larga medida porque muitos democratas a consideram como a melhor pessoa para levar adiante a campanha de estímulo e reforçar a regulamentação do setor financeiro. Os democratas do Senado bloquearam a indicação da primeira escolha de Obama para o posto, Lawrence Summers.

No caso de Yellen, que decidiu estudar Economia porque via a disciplina como caminho para o serviço público, e que quando universitária sonhava trabalhar no Fed, o comando do banco central parece uma culminação lógica - ainda que até recentemente inesperada - para sua carreira. Sua confirmação para o posto também reforçaria a evolução do Fed, de instituição comandada por burocratas profundamente conhecedores do mercado, com foco em controlar a inflação, a uma instituição comandada por acadêmicos e dedicada a uma missão mais ampla, de promover crescimento firme acompanhado por mínimo desemprego.

No Fed, Yellen deve pressionar mais que Bernanke pela manutenção de estímulos

INFÂNCIA E CASAMENTO
Yellen, como muitos economistas de sua geração, foi atraída ao ramo ao se interessar pela Grande Depressão. A Economia permitia que ela combinasse o amor pelo rigor da matemático ao desejo de trabalhar com questões que afetem a vida das pessoas.

Nascida em Brooklyn em 1946, ela foi criada em Bay Ridge, um bairro de classe média à beira-rio, diante de Staten Island. A mãe dela, professora mas interessada por finanças, parou de trabalhar para cuidar de Janet e do irmão, John. O pai, clínico geral, atendia pacientes em um consultório caseiro que ele fechava nas tardes de quarta-feira para que a família pudesse conviver mais.

Alguns dos colegas de Yellen na Fort Hamilton High School, onde ela se formou no segundo grau em 1963, a recordam como estudante inteligente e dedicada, e um tanto distante do mundo adolescente da música, festas e ativismo político.

"Ela era uma boa amiga e boa colega", diz Charles Saydah, que estudou com Yellen no segundo grau e fazia parte de sua turma de amigos, que ele descreve como "a garotada que gostava de música folk". Mas "do meu ponto de vista", disse Saydah, "estava claro que a escola era só uma parada a caminho de coisas melhores", para ela.

A cada ano, o editor do jornal da escola entrevistava o orador da turma; no caso de Yellen, que ocupava os dois postos, isso quis dizer que ela entrevistou a si mesma. Ela falou de seu amor pelas viagens, de sua coleção de rochas - "coleciono rochas desde os oito anos, e tenho mais de 200 espécimes" - e de seus planos para a universidade.

"Decidi que vou me graduar em matemática ou antropologia ou Economia ou...", ela escreveu. Depois de se matricular na Universidade Brown, ela não demorou a reduzir a lista.

"Ela fez seu primeiro curso de Economia e, quando chegou em casa, passou uma hora me explicando por que Economia era a coisa mais importante do mundo", conta Susan Grosart, amiga de infância de Yellen, recordando o feriado de natal de seu primeiro ano de universidade. "Ficou evidente, desde aquele momento, que Economia era sua paixão".

Yellen decidiu fazer doutorado na Universidade Yale depois de ouvir um discurso de James Tobin, o economista que ela ainda tem como herói intelectual. Tobin era um denodado defensor da opinião de que a política do governo era capaz de tirar uma economia da recessão. Ela também admirava a forma pela qual ele combinava trabalho acadêmico e serviço público.

"Ele encorajava seus orientados a fazer trabalhos que tratassem de alguma coisa real", disse Yellen ao "Yale Daily News" depois da morte de Tobin em 2002. "Trabalhos que não só satisfizessem padrões intelectuais rigorosos mas melhorassem a situação da humanidade".

Yellen e Akerlof passaram boa parte dos anos 80 tentando compreender o desemprego - no escritório, na mesa de jantar e em suas férias no Havaí, onde os dois raramente entravam na água, preferindo ficar na praia para ler livros de Economia.

O casal se conheceu em 1977 em um refeitório do Fed, onde ambos ocupavam cargos de pesquisa. Yellen não havia conseguido um posto como professora titular depois de seis anos como professora assistente na Universidade Harvard. Akerlof havia enfrentado o mesmo problema em Berkeley.

"Gostamos um do outro imediatamente e decidimos nos casar", escreveu Akerlof em um artigo autobiográfico publicado depois que ele conquistou o Nobel de Economia, em 2001. "Não só nossas personalidades se combinavam com perfeição como também sempre vivemos em perfeito acordo sobre macroeconomia. Nosso único desacordo é que ela defende o livre comércio um pouquinho mais do que eu".

Os dois eram keynesianos, e acreditam na posição de que as pessoas se comportam irracionalmente, os mercados funcionam imperfeitamente e os problemas resultantes não se corrigem sozinhos; o governo precisa ajudar.

"Embora admiradores do capitalismo, também acreditávamos em certa medida que ele tem limitações que requerem intervenção governamental nos mercados para que estes funcionem", disse Yellen em entrevista à revista da escola de administração de empresas de Berkeley, em 2012.

Os amigos descrevem Akerlof como fonte constante de ideias, algumas brilhantes, muitas outras banais. Yellen, eles dizem, ajudava a determinar a agenda de pesquisa. Era uma pensadora mais rigorosa, e competente na construção e manipulação dos modelos teóricos que são a ferramenta primária da pesquisa econômica.

"Ele sugeria uma ideia, e ela rebatia dizendo que 'isso é idiota por nove motivos'", diz David Romer, economista em Berkeley e velho amigo do casal. "E se ela só conseguisse pensar em quatro motivos para a ideia ser idiota", conta Romer, "então valia a pena discuti-la. Era uma parceria incrivelmente frutífera".

Na metade de 1981, depois de voltarem a Berkeley, os dois estavam, ao mesmo tempo, procurando alguém que cuidasse do filho e uma resposta para um velho enigma: a persistência do desemprego. E por acaso, encontraram o que procuravam no mesmo lugar.

"Casal de professores universitários procura babá", dizia o classificado que eles publicaram em 24 de julho de 1981 no "Daily Californian", o jornal estudantil de Berkeley. "Paga-se bem".

Pode parecer óbvio que as pessoas desempregadas prefeririam estar trabalhando, mas não é fácil explicar por que elas não conseguem encontrar emprego pela simples redução do preço de seu trabalho até que uma empresa considere lucrativo empregá-las. Em outras palavras, em período de alto desemprego, por que as companhias não cortam salários em lugar de demitir pessoal?

Yellen também sempre foi uma professora dedicada. Escrevia à mão suas anotações para as aulas, e Andrew Rose, um colega dela em Berkeley, recorda ter visto suas anotações um dia, e que elas começavam por "alô, meu nome é Janet Yellen".

Os alunos recordam sua paciência e disposição de explicar conceitos repetidamente. Os alunos de seu curso de macroeconomia nos anos posteriores ao seu retorno a Berkeley, depois do período inicial que passou em Washington, também recordam as histórias que ela contava sobre a vida na capital.

"Ela falava sobre o refeitório do Fed", diz Kathy Poettcker, que foi aluna de Yellen em 2003. "Contava que ainda que a gente pudesse pensar que o ambiente era elaborado, com toalhas de linho branco e garçons, na verdade as refeições do banco central não passavam de fatias de queijo e frutas enlatadas servidas em pratinhos de plástico. E ela ria e você percebia que a professora era uma pessoa normal, fazendo coisas normais".

Yellen vem evitando falar em público desde junho, para não causar a impressão de que está em campanha pelo posto de Bernanke. Parece provável que ela só volte a falar publicamente quando de sua audiência de confirmação, antes do final do ano.

Mas suas opiniões se mantiveram notavelmente firmes nas três últimas décadas: Quando o desemprego está alto, o Fed tem a obrigação de tentar.

Ao voltar a Yale em 1999, Yellen resumiu a lição que havia aprendido com o professor Tobin ao ingressar no serviço público:
"As economias capitalistas operarão com pleno emprego caso não haja intervenção rotineira? Certamente não", ela disse. "As autoridades econômicas têm conhecimento e capacidade para melhorar os resultados macroeconômicos, em lugar de tornar as coisas ainda piores? Sim".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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