Folha de S. Paulo


Análise: Incógnitas demais cercam economia global

A economia mundial enfrenta diversas incógnitas.

Nos EUA, três fontes de incerteza política terão de ser enfrentadas no final do ano.

Ainda não está claro quando o Federal Reserve (banco central dos EUA) começará a reduzir a recompra de títulos da dívida no mercado e com que rapidez, bem como quando e em que velocidade começará a elevar suas taxas de juros, do nível zero atual.

Também há a questão de quem sucederá Ben Bernanke à frente do Fed.

Por fim, haverá outra disputa partidária sobre a elevação do teto da dívida federal dos EUA, que pode paralisar o governo se a Câmara, controlada pela oposição, e o presidente Barack Obama não chegarem a um acordo.

As duas primeiras fontes de incerteza já afetam os mercados. A alta nas taxas de juros de longo prazo americanas -de 1,6% em maio a picos de 2,9%- foi propelida pelo medo de uma retração prematura do Fed e pela incerteza sobre a sucessão.

Outras economias avançadas também lidam com incertezas. A eleição na Alemanha deve resultar em vitória da coalizão governista entre a União Democrata Cristã da chanceler Angela Merkel e os Democratas Livres.

Neste caso, as atuais políticas alemãs para a crise na zona do euro não mudarão, a despeito da fadiga com a austeridade na periferia do continente e com os sucessivos resgates em seu miolo.

Os riscos políticos na periferia incluem o colapso do governo italiano e nova eleição, como resultado da condenação criminal do ex-prermiê Silvio Berlusconi; a coalizão governante da Grécia ruindo e a piora da tensão política na Espanha e em Portugal.

A política de orientação de longo prazo do Banco Central Europeu -o compromisso de manter os juros baixos por um longo período- não será suficiente e foi adotada tarde demais, o que não impediu a alta nos custos de captação.

Isso pode sufocar a recuperação econômica anêmica.

Tampouco é certo que o BCE relaxe sua política monetária agressivamente.

Fora da zona do euro, a força da recuperação do Reino Unido e o sinal do Banco da Inglaterra de que a política monetária continuará frouxa resultaram em elevações nas taxas de juros, que o banco central inglês, como o BCE, parece incapaz de impedir.

No Japão, a incerteza se refere à implementação da "terceira flecha" no programa econômico do premiê Shinzo Abe (reformas estruturais e liberalização comercial a fim de elevar o potencial de crescimento) e à possibilidade de que o aumento do imposto sobre as vendas, a partir de 2014, sufoque a recuperação.

BRICS

Na China, o Terceiro Plenário do Comitê Central do Partido Comunista, em novembro, mostrará se Pequim fala sério sobre reformas para trocar o crescimento propelido pelo investimento por crescimento movido pelo consumo.

Enquanto isso, a desaceleração da China contribuiu para o final do superciclo das commodities, o que, somado à alta acentuada nos juros de longo prazo, resultou em desgaste econômico e financeiro no mercado emergente.

Essas economias -Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e outras- foram por tempo demais objetos de avaliações positivas distorcidas.

Condições externas favoráveis, como o efeito do crescimento da China sobre os preços das commodities e dinheiro vindo de investidores avançados famintos por rendimentos, resultaram em um boom parcial. Agora que a festa acabou, vem a ressaca.

Isso vale sobretudo para Índia, Brasil, Turquia, África do Sul e Indonésia, que sofrem de múltiplas fraquezas macroeconômicas e de política econômica: grandes deficit em conta corrente, grandes deficit fiscais, crescimento em desaceleração e inflação superior às metas, bem como de crescentes protestos sociais e incertezas políticas.

Não há escolhas fáceis. Defender o câmbio com um aumento dos juros frearia o crescimento e prejudicaria bancos e grandes empresas; afrouxar a política monetária para estimular o crescimento levaria à queda livre do câmbio e um surto inflacionário, ameaçando a capacidade desses países de atrair capital e financiar o deficit.

Há ainda a geopolítica: a possibilidade de ataque dos EUA e seus aliados à Síria e a questão iraniana (Israel aceitou a abordagem não militar dos EUA para as ambições iranianas quanto a armas nucleares, mas após um ano de sanções e negociações, a paciência chega ao fim).

Alguns dos riscos aqui descritos se concretizarem no fim do ano, a recuperação ainda hesitante da economia mundial pode sair dos trilhos. E o metarrisco de erros políticos e acidentes continua alto.

Nouriel Roubini é presidente da Roubini Global Economics e professor de Economia na Escola Stern de Administração de Empresas, Universidade de Nova York

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: