Folha de S. Paulo


Grandes redes não matam pequeno varejo, defende Luiza Trajano

Para a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza, o grande problema do crescimento de uma empresa é que ela vai ficando burocrática.

"É tanta gente, tanta consultoria, você não consegue mais ter velocidade. Com o tempo, você está distante, as pessoas só te dizem o que você quer ouvir", disse, durante sabatina promovida pela Folha na noite de ontem (16).

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Questionada pela plateia sobre lojas menores que podem fechar quando o Magazine Luiza se instala em uma cidade do interior, ela respondeu que o pequeno tem condições de negociar com fornecedores para ter bom preço e oferecer um atendimento melhor que o grande.

"Você veja o caso dos supermercados. Quando o Walmart chegou, todo mundo ficou assustado. No interior de São Paulo, os supermercados locais, de bairro, é que são um sucesso", disse.

Trajano foi entrevistada pela colunista Maria Cristina Frias, pela editora de "Mercado" Ana Estela de Sousa Pinto e pelo repórter Toni Sciarretta.

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EMPREENDER

Eu perdi meu marido de repente, há três anos. Foi na piscina, ele estava nadando, era novo. A coisa que mais nos salva é ter uma paixão muito forte. E foi a paixão pelo varejo que me salvou. O empreendedor tem de gostar do que faz.

Você tem de se esforçar, fazer --70% das pessoas que venceram vieram de família pobre. Tem gente sem energia, que anda com uma planta --e a planta morre [risos].

Veja, quando a pessoa não deu certo em nada na vida, ela vai ser vendedora [risos]. Mas é algo que eu adoro. Minhas amigas intelectuais nunca quiseram ser vendedoras, e eu na faculdade já queria, até levava coisas para vender. E isso me move.

O pequeno empresário é muito castigado no Brasil por não ter dado certo na primeira vez. Nos EUA, isso é a coisa mais comum. Aqui, é algo que não se aceita. Mas você tem de saber que vai errar. Uma, duas, três vezes, só não vá errar o que você já errou antes.

[Se dirige a um participante da sabatina que encaminhou uma pergunta sobre ser empreendedor.] Você não tem nada a perder. Se tudo der errado, você volta a ser bancário.

EMPRESA FAMILIAR

A grande vantagem da empresa familiar é o clima que se cria. No nosso caso, essa preocupação com abraçar, cantar, com ser feliz, isso ajuda a sermos uma das melhores empresas para trabalhar. Quando decidimos vir para São Paulo, disseram "não vai ficar abraçando, cantando, que em São Paulo o pessoal não gosta disso" [risos]. Imagina, todo mundo gosta.

Eu queria que meus filhos, digamos, tocassem na banda. Ver a banda passar porque são filhos, porque tem família rica, acho muito triste. Ou pior: não tocar e ainda ficar botando defeito na banda.

PEQUENOS

Não é verdade que as redes matem o pequeno varejista local. Ele tem condição de dar um ótimo atendimento, e os fornecedores apoiam os pequenos, valorizam. É claro: a indústria não quer ficar na mão de dois ou três grandes.

Você veja o caso dos supermercados. Quando o Walmart chegou, todo mundo ficou assustado. Na minha região [interior de São Paulo], os supermercados locais, de bairro, é que são um sucesso.

A questão não é o grande comendo o pequeno, é o veloz vencendo o lento.

É fato, porém, que hoje os pequenos têm um problema. O Simples ajudou demais o microempresário, mas há uma morte súbita quando ele chega a R$ 3,6 milhões [de faturamento] por ano. Deveria ter um escalonamento até R$ 8 ou 10 milhões.

EXPANSÃO

A gente vai crescendo em escala e vai burocratizando tanto a empresa... É tanta gente, tanta consultoria, você não consegue mais ter velocidade. A escala vai subindo e você perde a cultura, perde o contato. É o que acontece também no governo. Com o tempo, você está distante, as pessoas só te dizem o que você quer ouvir.

Você não pode deixar que isso aconteça, então eu recomendo ficar ficar muito atento ao crescimento.

Nós compramos muitas redes pelo Brasil; é muito bom, eu gosto muito. Quando compro, respeito muito. Por seis meses, é proibido falar o que eles fazem de errado.

Nunca é simples. Não foi simples no Nordeste, não foi no Rio Grande do Sul. Lá, todo mundo dizia "gaúcho não gosta de gente de fora, lá tem de tomar chimarrão e cantar o hino". Sofremos, mas hoje o resultado é muito bom.

E, no Brasil, há ainda o problema da logística. Eu tenho muito contato com o serviço de atendimento ao consumidor do Magazine, e essa é uma questão árdua.

ABERTURA DE CAPITAL

É ótimo para a empresa a cultura de prestar contas. Já tínhamos essa cultura mesmo antes de abrir o capital. No começo, você sofre muito com o preço de ação subindo e descendo. Depois de três meses, resolvi parar de olhar. O problema da Bolsa é que, lá, você vale muito o que você deu no trimestre. Mas não é sustentável, a quebra do [banco americano] Lehman [Brothers, em 2008] mostra isso.

FORNECEDORES

Você tem de tomar cuidado para não matar o seu fornecedor. Quando a gente mudou [de Franca] para São Paulo, a gente começou a ficar chique, a gastar muito aqui [risos]. Eu chamei o fornecedor para fazer material de instalação para as lojas. Aí há duas formas de fazer. Uma é simplesmente falar "ou você abaixa 20% o preço, ou eu não faço". É a maneira normal. No limite, você quebra ele.

Outra opção é chamar e falar "precisamos abaixar o custo em 20%, mas vocês chamem os técnicos de vocês para dar sugestões de como a gente pode fazer isso". E eles foram lá, foi ótimo, deram várias opiniões, disseram para usar outro material, fazer em outra forma, e tivemos muito sucesso.

ABÍLIO

Se eu vendesse produtos da Sadia, teria ficado incomodada [com a presença de Abílio Diniz no conselho da BRF e no Pão de Açúcar]. Assim como se eu sentar amanhã no conselho da Whirlpool, meus concorrentes tinham de achar ruim. Quem está no conselho sabe tudo da empresa.

Eduardo Anizelli/Folhapress
 A empresaria Luiza Helena Trajano durante sabatina promovida pela Folha no Teatro Folha
A empresaria Luiza Helena Trajano durante sabatina promovida pela Folha no Teatro Folha

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