Folha de S. Paulo


'Empresários não deveriam repassar dólar para os preços', diz Guido Mantega

O ministro Guido Mantega (Fazenda) aposta no recuo da cotação do dólar e apela ao empresariado que, nesse caso, não repasse a alta do câmbio dos últimos dias para os preços. Para ele, o patamar registrado nesta semana, com a cotação a R$ 2,45, "não é bom para ninguém".

O ministro diz que seu apelo vale para a Petrobras, que não deve levar em conta o pico das cotações ao definir um reajuste da gasolina e do diesel.

Ele sinalizou, contudo, que um aumento de combustível, como pleiteia a estatal, virá ainda neste ano.

Segundo ele, a Petrobras tem uma política de reajuste que implica mais de um aumento por ano -neste, só houve um, em janeiro.
Guido adverte: os especuladores que apostam apenas na alta do dólar podem "quebrar a cara". Ele também voltou a prometer que o governo será mais transparente na área fiscal.

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Folha - O mercado ainda enxerga certa fragilidade na área fiscal do governo. Vem uma sinalização na meta de superavit [economia que o governo faz para pagar os juros da dívida] de 2014?

Guido Mantega - Ainda estamos discutindo os números. Acreditamos que um bom desempenho fiscal ajuda a manter a confiança na economia brasileira. O que posso dizer é que a dívida líquida vai continuar caindo. Essa diretriz será mantida e com mais transparência em operações que poderiam suscitar dúvidas.

O sr. disse que revisou o crescimento deste ano para 2,5%. E no próximo ano?

Nossa previsão será de 4% para o próximo, 4% para 2015 e 4,5% para 2016.

É factível, num cenário de muita incerteza? Não teme ser tachado de otimista?

Não. Apesar da turbulência, a economia mundial está dando sinais de ligeira melhora. Com este cenário, você terá uma recuperação do comércio internacional, uma das molas mestras do crescimento global. A perspectiva é de melhorar, mesmo porque é difícil piorar.

Quando a inflação começou a cair, o dólar subiu. A inflação vai voltar a subir?

A inflação tem uma trajetória sazonal. Começa alta no início do ano, vem caindo, atinge seu menor patamar em julho, depois volta a subir. O importante é a velocidade de crescimento, para que ela esteja dentro dos parâmetros normais. Por exemplo, que a inflação de agosto fique em torno de 0,30%.

Mas o dólar não pode prejudicar isso?

O dólar, se ficar insistentemente elevado, pode influenciar, trazer uma pressão. Até agora apareceu muito pouco. Mas é aconselhável que, se essa subida do dólar for revertida, e ela pode ser revertida, os empresários não repassem isso para os preços.

Seria bom que não repassassem. Vale também para a Petrobras. Não tem sentido dar aumentos em razão do aumento do dólar. Mesmo porque são aumentos extemporâneos. Não devemos nos precipitar, temos de aguardar e não antecipar repasses que podem ser desnecessários.

Não haverá aumento da gasolina no curto prazo?

Não estou dizendo isso. Estou dizendo que não vai ter repasse do aumento do câmbio em momentos de volatilidade. Essa é a regra na Petrobras, que trabalha com uma tarifa média, não repassando picos. Tivemos uma situação excepcional, o que não significa que não vai ter reajuste.

Mas antes disso a Petrobras já pedia um reajuste de preços.

A Petrobras sempre pede. Ela tem uma política de mais de um reajuste por ano, mas sem olhar a questão cambial de momento.

Há uma ala do governo que considera um dólar a R$ 2,40 positivo para a indústria. O sr. está dentro desse grupo?

Não, esse dólar alto não é bom para ninguém. Essa subida com essa volatilidade não é boa para ninguém, porque os empreendedores retardam suas operações. Mesmo os que ganham com um dólar mais valorizado, os exportadores, dão uma parada para ver a quanto vai o dólar. Atrapalha todo mundo.
Eu, como ministro da Fazenda, tenho de me preocupar com um cenário mais estável. E esse dólar não é favorável. Claro que, no longo prazo, para os exportadores, o dólar mais caro é favorável. Mas, no curto prazo, não é, e, portanto, combatemos isso.

Por que o real é uma das moedas que mais sofrem neste momento?

Entre outras coisas, porque temos um mercado mais líquido. Não temos problemas de fluxo de dólares. Tanto que não há pressão no mercado à vista, mas há investidores aproveitando a onda de desvalorização para ganhar no mercado futuro. E nosso mercado é bem regulado, é seguro fazer aplicação de derivativos aqui. O que não acontece em outros países.

Agora, é bom deixar claro que essa pressão do dólar, no nosso caso, não é saída de capitais, não é perda de reservas, como em outros países. Aqui é hedge e especulação.

Qual é o recado para os especuladores?

Você pode ganhar, mas pode perder. Porque o nosso câmbio é flutuante. Então, é preciso tomar cuidado. Houve época em que nosso câmbio flutuava só para um lado. Se você apostar demais numa direção, pode quebrar a cara.

Os últimos dados do Ministério do Trabalho mostram que a geração de empregos está perdendo força. O desemprego vai subir?

O que acontece é que estamos gerando menos emprego. Neste ano geramos até agora 900 mil novos empregos, o suficiente para o mercado de trabalho. Não dá mais para gerar 2 milhões de empregos, como em anos de disponibilidade de mão de obra. Agora, 900 mil está de bom tamanho. Está gerando menos, porém também há menos necessidade de emprego, porque a maior parte da população está empregada, há quase pleno emprego em vários setores.

Ueslei Marcelino/Reuters
O ministro da Fazenda, Guido Mantega
O ministro da Fazenda, Guido Mantega

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