Folha de S. Paulo


Não dá para entender estratégia tributária do governo, dizem especialistas

A política de desonerações feitas pelo governo federal parece não ter uma direção, afirmam os especialistas que participaram de um debate sobre reforma tributária realizado na noite de ontem pela Folha.

Para José Roberto Afonso, pesquisador da FGV (Fundação Getulio Vargas), Bernard Appy, diretor da consultoria LCA e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, e Joaquim Levy, diretor-superintendente da Bradesco Asset Management, guerra fiscal entre Estados também é um problema atual que precisa ser enfrentado.

O debate foi mediado por Valdo Cruz, repórter especial da Folha.

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Os participantes se mostraram bastante críticos à atual política de desonerações do governo. "Não dá para saber qual é a estratégia do governo. Talvez eles saibam, mas não contaram para ninguém", disse Afonso.

Marlene Bergamo/Folhapress
No primeiro debate, na Folha, participaram José Roberto Afonso, da FGV, Joaquim Levy, da Bradesco Asset Management, o mediador Valdo Cruz e Bernard Appy, da consultoria LCA (da esq. para a dir.)
No primeiro debate, na Folha, participaram José Roberto Afonso, da FGV, Joaquim Levy, da Bradesco Asset Management, o mediador Valdo Cruz e Bernard Appy, da consultoria LCA (da esq. para a dir.)

Appy também criticou o movimento. "O governo gastou boa parte do espaço fiscal que tinha para desonerar a folha de pagamento. Seria melhor ter usado isso para viabilizar uma reforma do ICMS. Agora não temos mais espaço fiscal para eventuais perdas de arrecadação", disse.

"Eu preferiria ter reduzido a carga [da folha de pagamento] em dez anos de 20% para 10% de maneira geral do que ficar escolhendo setor. Do jeito que fizeram, você cria uma fila de gente pedindo. Empresas eficientes que criaram tecnologia são penalizadas, porque têm menos empregados."

Levy concordou. "Ao mudar a base da folha de pagamento para o faturamento, você precisa ficar ajustando a alíquota para cada setor, e pode até errar e acabar aumentando o custo de alguns. Em tributação, você não pode improvisar."

UNIFICAÇÃO DE ALÍQUOTAS

Levy ainda se disse a favor da proposta de unificação das alíquotas do ICMS para 4% para todos os Estados, apresentada no Senado.

Todos os participantes concordaram que a guerra fiscal é um problema atual. Para Appy, o excesso de incentivos estaduais causa distorções.

"Os incentivos são sempre direcionados para empresas que naturalmente não se instalariam naquele Estado. São Paulo dá incentivo para a moagem de trigo, que naturalmente talvez fosse realizada no Rio Grande do Sul. E o Rio Grande do Sul dá incentivo para carros, que talvez fossem produzidos em São Paulo. Há quantidade enorme de mercadorias pesseando pelo país à toa, uma grande ineficiência econômica."

Mesmo a criação de novos mecanismos de pagamento de impostos, como o microempreendedor individual, foi relativizada.

"Veja um eletricista. Se ele for um microempreendedor individual, paga 1,3% do faturamento [em impostos]. Se tiver uma empresa tributada pelo lucro presumido, mais de 20%. Já se for um empregado, 40%. Como que eu tenho um sistema em que a carga vai de 1,3% até 40%?", disse Appy.

CRÉDITO DE ICMS

Outro problema citado no debate foi o acúmulo de créditos de ICMS pelas empresas.

"Como a legislação é ambígua, há uma imensa discussão sobre o que gera e o que não gera crédito de ICMS, como gastos em telecomunicações ou em energia elétrica", disse Appy.

"E há ainda um segundo problema: há enorme dificuldade para que as empresas recebam seus créditos. Conheço uma empresa que tentou receber, em São Paulo, e teve de preencher um imenso formulário. Não conseguiu o crédito e o Fisco estadual ainda autuou a empresa com base nesses dados."

"Ouvir os três participantes falarem dá um desespero danado. Ainda bem que não sou empresário", concluiu o mediador Valdo Cruz.


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