Folha de S. Paulo


Análise: Por que a inovação continua a ser a estrela do capitalismo

Capitalismo é cultura. Para sustentá-lo, leis e instituições são importantes, mas o papel mais fundamental é desempenhado pelo espírito humano básico de independência e iniciativa.

O papel decisivo do "espírito do capitalismo" é um conceito antigo, que remonta pelo menos a Max Weber, mas precisa ser atualizado hoje por meio de novas descobertas e novas formas de pensar. Edmund Phelps, professor de Economia premiado com o Nobel na Universidade Colúmbia, escreveu um livro novo e interessante sobre o tema, chamado "Mass Flourishing: How Grassroots Innovation Created Jobs, Challenge and Change" (Princeton University Press). O texto oferece uma nova e complexa análise sobre importância da cultura do empreendedorismo.

Phelps percebe uma tendência preocupante em muitos países, no entanto --até mesmo nos Estados Unidos. Está preocupado com o corporativismo, uma filosofia política sob a qual a atividade econômica é controlada por grandes grupos de interesses ou pelo governo. Quando o corporativismo deita raízes em uma sociedade, ele diz, o povo passa a não apreciar devidamente as contribuições e esforços dos indivíduos que criam e inovam. Uma economia com uma cultura corporativista pode copiar e até crescer mais do que outras, por algum tempo, ele afirma, mas no final sempre ficará para trás. Apenas uma cultura de empreendedorismo é capaz de liderar.

Será que os Estados Unidos estão de fato se tornando corporativistas? Não concordo inteiramente com essa ideia. Mesmo assim, o presidente Obama vem falando muito sobre a inovação como criadora de empregos, este ano, e embora algumas de suas intenções possam ser boas, temo que certo número de suas propostas tenham um jeito meio corporativista e possam resultar em repressão da iniciativa individual.

Em seu discurso sobre o Estado da União, em janeiro, por exemplo, o presidente propôs que o governo criasse 15 novos "institutos de inovação" com base em um modelo de parceria entre o setor público e o setor privado que ele ajudou a criar em Youngstown, Ohio, dedicado ao desenvolvimento de impressoras 3D. Há mais propostas dessa ordem na proposta orçamentária do Executivo para 2014, oferecida em abril. E em discurso em 30 de julho, em Chattanooga, Tennessee, Obama sugeriu ampliar a 45 o número de institutos de inovação, o que representaria quase um deles em cada Estado. Os institutos, afirmou, poderiam "levar empresas, universidades e comunidades a trabalhar juntas a fim de desenvolver centros de indústrias de alta tecnologia em todo o território dos Estados Unidos".

Medidas como essas têm chance de funcionar? Será que o governo deveria realmente estar envolvido na criação de um centro de pesquisa sobre impressoras 3D? E por que em Youngstown? É fácil encarar planos como esses de maneira cética, especialmente quando o instituto foi criado em um Estado indeciso eleitoralmente e pouco antes da eleição presidencial de 2012. Os sites de dois senadores e dois deputados federais que apresentaram projetos de lei este mês em apoio às mais recentes propostas do presidente sugerem, sem grande sutileza, que as novas leis criariam empregos em seus Estados.

Empresas de sucesso em geral não são criadas assim. Phelps, citando um estudo da McKinsey & Co., sugere que no capitalismo de livre mercado, "10 mil ideias significam que mil empresas sejam fundadas, cem recebam capital para empreendimentos, cerca de 20 sigam adiante e obtenham capital em oferta pública inicial de ações e duas se tornem líderes de mercado". É fácil duvidar, como faz Phelps, de que o centro de desenvolvimento de impressoras 3D de Youngstown tenha probabilidades favoráveis.

A maneira pela qual você vê os institutos de inovação e a questão do capitalismo e de sua cultura pode depender de sua experiência pessoal. Muita gente jamais testemunhou uma ideia de negócios conquistando o sucesso. Isso torna difícil julgar as sutis mudanças que podem estar ocorrendo na cultura do país e em seu potencial de inovação.

Minha experiência pessoal de negócios certamente deu forma à maneira pela qual eu penso. Yale, como muitas outras universidades, sensatamente permite que seus professores dediquem certa porção de seu tempo aos negócios, oferecendo a oportunidade de ganhar valiosa experiência fora da torre de marfim da academia, e para que o corpo docente ofereça seus conhecimentos técnicos ao mundo dos negócios.

Em 1991, criei uma empresa com Karl Case, professor de Economia do Wellesley College, e Alan Weiss, que foi meu orientando em Yale. Ela se chamava Case Shiller Weiss e se dedicava a uma inovação que havíamos concebido, o acompanhamento de um índice de "vendas repetidas" dos imóveis residenciais --seguindo as mudanças de valor de um grupo de casas ao longo de repetidas vendas.

Naquele momento, essa era uma linha de negócios completamente nova. E, no começo, isso representou um problema. Tivemos completo insucesso em levantar capital. Conversávamos com as companhias de capital para empreendimentos e com seus comitês de avaliação, mas sem êxito. Eles não pareciam capazes de compreender nosso plano de negócios. Talvez parecêssemos estranhos para eles --acadêmicos demais, quem sabe. Um executivo comentou que faríamos melhor em propor um novo shopping center.

Mas levamos a ideia adiante mesmo assim. No começo, Alan trabalhava sem receber. Um amigo de Case, Chuck Longfield, investiu algum dinheiro. E em 1995 eu hipotequei minha casa em New Haven para colocar mais do meu dinheiro pessoal no negócio e mantê-lo aberto. A experiência foi desgastante, especialmente se acrescentada à carga de meu emprego regular como professor. Tenho muito a agradecer à minha mulher, Virginia, por sua tolerância diante do meu excesso de trabalho e da minha preocupação, e por me permitir colocar em risco as economias da família.

No fim, o negócio se tornou um sucesso, e creio que boa parte desse sucesso se deva a termos confiado em nossas ideias e energia, e em larga medida em nosso dinheiro pessoal. Em 2002, nós o vendemos à Fiserv, que em seguida licenciou a Standard & Poor's para criar o que hoje é conhecido como Índice de Preço de Casas S&P/Case-Shiller. Em 2006, a Bolsa Mercantil de Chicago começou a negociar contratos futuros de 11 de nossos índices. A Fiserv vendeu suas operações de índices à CoreLogic no começo deste ano.
Em resumo, nosso negócio decolou sem ajuda alguma do governo.

Essa pequena experiência real me convence de que comitês especialistas, mesmo nas mais inteligentes das companhias de capital para empreendimentos, muitas vezes não reconhecem ideias realmente inovadoras. Creio que o sucesso dos Estados Unidos nos negócios, ao longo das décadas, tenha ocorrido porque temos tanta gente dotada de conhecimentos especializados que se dispõe a investir seu dinheiro, recursos e tempo em ideias que um comitê não aceitaria.

Essa experiência também pode ajudar a explicar por que creio que a nova iniciativa de crowdfunding, criada pela Lei Jobs assinada por Obama no ano passado, seja uma ideia empolgante. A ideia é encontrar e mobilizar pessoas que realmente compreendam ideias específicas e difíceis de provar, para investimentos importantes.

Ao mesmo tempo, outras de minhas experiência me inclinam a pensar que comitês de especialistas apontados pelo governo podem ajudar a preparar o terreno para uma cultura de empreendedorismo, sob certas circunstâncias e em grau limitado.

Muito antes de eu começar a criar negócios, recebi certo apoio do governo --na forma de verbas de pesquisa da Fundação Nacional de Ciências que me foram concedidas décadas atrás, quando eu era um jovem professor. Elas me permitiram pesquisar, e embora não se relacionassem diretamente aos meus futuros empreendimentos de negócios, o processo me ajudou a desenvolver conhecimentos e reforçou meu senso de oportunidade empresarial.

Essas verbas eram concedidas em esquema competitivo, com base na qualidade das propostas, e isso me deu experiência com um sistema concentrado em conceder oportunidade aos que se esforçam. Mais tarde, entre 1983 e 1985, avaliei propostas alheias ao servir no conselho de Economia da fundação. Observando o processo do lado do governo, me convenci de que a fundação realmente funciona. Talvez porque os membros do conselho sejam cientistas de sucesso, que servem anonimamente, por dever cívico.

De qualquer forma, como argumenta Phelps, envolvimento direto do governo no capitalismo é um assunto delicado. O sucesso do sistema depende de fatores culturais sutis --e estes requerem fomento cuidadoso.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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