Folha de S. Paulo


Google e Facebook apostam em lobby no Brasil

Apesar de vender a imagem de empresas descoladas e antenadas no mundo das mídias digitais, as gigantes da internet têm recorrido ao velho e bom lobby em Brasília para tirar do terreno da virtualidade suas demandas.

Motivos não faltam para priorizar o meio de campo institucional. O Brasil é a quinta operação mais rentável do Google e disputa com a Índia a segunda posição em número de membros do Facebook, atrás dos EUA.

Noah Berger-6.jun.13/Bloomberg
Manifestantes protestam diante da sede do Google em Mountain View, na Califórnia
Manifestantes protestam diante da sede do Google em Mountain View, na Califórnia

Na linha de frente, as duas empresas escalaram representantes com estilo "técnico" e "nerd", pouco versados nos convescotes de Brasília.

Na prática, contudo, o jogo é disputado com armas mais tradicionais.

O paulista Marcel Leonardi, o lobista do Google, e o carioca Bruno Magrani, recém-contratado para o mesmo posto no Facebook, compartilham do mesmo perfil.

São jovens advogados com passagens por universidades americanas de ponta e respeitados na academia por trabalhos sobre direito e internet.

Ambos são diretores de políticas públicas, eufemismo para lobista, atividade não regulamentada no país.

Leonardi formou-se na USP, fez pós-doutorado em Berkeley e leciona na FGV de São Paulo. Magrani estudou na UFRJ, concluiu seu mestrado em Harvard e dava aulas na FGV do Rio.

A escolha dos dois foi calculada. O Facebook penou quase dois anos até encontrar o candidato que se enquadrasse nas exigências, apurou a Folha com quatro executivos sondados.

As gigantes valorizam o verniz acadêmico.

Leonardi apresenta-se como "professor doutor" aos seus interlocutores, que leem a qualificação no seu cartão.

Na prática, a função de ambos é acompanhar na capital o andamento do que pode ter impacto no negócio das companhias e colocar seus argumentos na pauta de quem faz a caneta se mexer.

PORTA GIRATÓRIA

Até 2011, o lobby no Google era missão de um homem só: Ivo Corrêa, hoje subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e integrante do Comitê Gestor da Internet.

Nos bastidores, lobistas ligados às telefônicas insinuam que isso favoreceria o Google em discussões do marco civil do setor, como a definição do quanto se pode controlar a velocidade da rede. Ele nega a acusação, e não há indícios de que ele agiu em favor dos ex-patrões.

Mas a operação cresceu. Ao assumir o posto, Leonardi tratou de ampliar a equipe, que conta agora com outras três pessoas, e contratou a Patri, tradicional consultoria para lobby que atende nomes do quilate da Vale e da Telefônica/Vivo.

A empresa mapeia por onde circulam os interesses do Google, identifica quem deve ser abordado, marca as reuniões e destaca o sócio Marcelo Lacerda para acompanhar Leonardi quando a conversa é mais delicada.

Além disso, Leonardi aconselhou-se intensivamente com o então lobista do site de leilões virtuais Mercado Livre, Luiz Ricardo Santiago, apurou a Folha com amigos próximos.

Magrani, por sua vez, poderá valer-se de conselhos da casa. O Facebook mantém um atuante escritório de advocacia a seu serviço em Brasília.

O Bialer & Falsetti, dos advogados Mauro Falsetti e Ana Paula Bialer, é responsável por encaminhar no Congresso e no Executivo a agenda do líder das redes sociais.

IMPOSTOS, DIREITOS AUTORAIS E DADOS

A atenção das gigantes da rede com o Brasil é proporcional a seu avanço no país.

O número de usuários do Facebook no país sextuplicou nos últimos dois anos e supera os 70 milhões. O Google abocanha parcela expressiva do mercado publicitário, estimadas pelo ministro Paulo Bernardo (Comunicações) em R$ 2,5 bilhões anuais.

Isso coloca a atuação das empresas no centro das atenções, até porque a operação tributável delas no país é pequena, e a legislação específica, quase inexistente.

Isso tudo faz do Marco Civil da Internet um campo de batalha. A abordagem dos lobistas, focada até então em parlamentares como o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto, teve que mudar devido às revelações sobre a espionagem americana feitas por Edward Snowden, ex-analista da CIA.

Como resposta pública, o governo Dilma Rousseff resolveu pressionar pela aprovação do marco, encaminhado ao Congresso ainda em 2011, e insistir que as empresas armazenem dados de seus usuários no Brasil. Alegando inviabilidade técnica e custos, elas resistem.

Há ainda dois projetos cruciais para as companhias: o de proteção de dados pessoais, que pode impor restrições mais pesadas à coleta de dados dos usuários, e da lei de direito autoral, que pode mexer com as atuais regras de controle de conteúdo. Surgiu ainda um novo objeto do desejo para os lobistas: as discussões de reforma eleitoral.

Google e Facebook colocam sua estrutura de lobby para apresentar aos deputados pleitos como a liberação da pré-campanha na internet e a possibilidade de que os candidatos comprem anúncios em sites e redes sociais.

Deu certo. As duas propostas devem constar do texto do relator, deputado Cândido Vacarezza (PT-SP).

O Brasil é o terceiro país que mais demanda dados do Google, perdendo apenas para Índia e EUA. No ano passado, foram feitas solicitações sobre 5.166 usuários.

O principal argumento da empresa para recusar os pedidos tem sido que as informações ficam armazenadas fora do país, justamente o que o governo quer mudar.

Procurados, Google e Facebook não quiseram comentar sua atuação no Brasil.

Em 2012, o Google gastou US$ 16,5 milhões em lobby nos EUA. Lá, a ação de lobistas é regulamentada.


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