Folha de S. Paulo


Política científica brasileira precisa de continuidade, diz cientista-chefe da IBM

Com doutorado na Universidade Stanford e muitos anos de trabalho nos Estados Unidos, Fábio Gandour conhece de perto o modelo americano de incentivo à pesquisa e à tecnologia. Ele é baseado num tripé, diz: planejamento, continuidade e competição.

A produção científica "é uma maratona, não uma corrida de 100 metros rasos", compara o cientista-chefe da IBM.

País ainda precisa comprovar vantagem competitiva em óleo e gás

Brasil precisa fazer ciência como negócio, diz cientista-chefe da IBM

A falta de continuidade quando há troca de governos é um dos pontos fracos da política científica brasileira, que, numa escala de 0 a 100, oscila entre os 60 e os 80 na avaliação de Gandour.

Adriano Vizoni/Folhapress
Fábio Gandour, cientista chefe da IBM, em frente ao prédio da empresa em SP
Fábio Gandour, cientista chefe da IBM, em frente ao prédio da empresa em SP

*

Quando vocês vão decidir então, por uma linha de pesquisa de concentração, você falou que usa três critérios: viabilidade técnica, humana e comercial. Como eles resultaram nas áreas escolhidas?

Recursos naturais com ênfase em óleo e gás, por causa da descoberta do pré-sal. Nos temos na IBM Research Division uma tradição enorme de desenvolvimento técnico respeitado internacionalmente na área de exploração de petróleo, cujo líder é um brasileiro, Ulisses Mello, que hoje é o diretor do laboratório.

A viabilidade técnica está garantida. A viabilidade de recursos humanos foi uma surpresa muito agradável para nós.

Você tem quantos pesquisadores?

A gente não divulga números locais.

É da ordem de dezenas, de centenas?

É da ordem de dezenas, muito perto da centena. No mundo, são 3.000.

Numa escala de 0 a 100, você diria que o incentivo a ciência e tecnologia no Brasil, como política científica, está em que nível?

Éramos 60 até 2004, 2005. Hoje estamos em 80. Por causa de duas coisas que evoluíram muito: a mudança do perfil da Finep, que adquiriu um racional um pouco mais bancário, e a mudança do perfil do BNDES que começou a enxergar ciência como negócio.

E o que falta para chegar ao 100?

Vamos pegar como exemplo como se incentiva a ciência nos Estados Unidos. A National Science Foundation convoca um número amplo de fabricantes e anuncia US$ 2 milhões para que eles façam o projeto de um hexaflop computer --uma máquina de altíssimo desempenho que ainda não existe.

Convoca empresas, cientistas, universidades.

Avisam que, ao final de um ano, vão selecionar os seis melhores projetos. Para estes, ela dá US$ 3 milhões para quem construam um protótipo, no prazo de três anos, e avisa que só os dois melhores continuarão na corrida. E aqui o povo se mata nesses três anos para produzir o melhor protótipo. Dependendo do que os dois melhores fizeram, a fundação dá agora US$ 10 milhões para que cada um coloque o protótipo em operação e o submeta aos critérios de performance da lista das 500 maiores indústrias.

Veja que não é uma corrida de 100 metros rasos, é maratona. Gastaram-se já mais de US$ 40 milhões, no mínimo sete anos, já saiu do limite de um governo. Mas eu não consigo fazer um avanço desse tipo nem mais rápido, nem mais barato.

Esse é o modelo que eu acho que, no final, draga o avanço científico.

Alguém no Brasil faz isso?

Quem fez foi o Ministério da Aeronáutica na montagem da Embraer. Até porque, cá entre nós, para construir avião não dá para ser diferente. Você não faz um projeto de 6 meses.

Planejamento e continuidade são duas condições para esse modelo. Mas você enfatizou também a competição. Ela é um dos fatores que leva ao sucesso no desenvolvimento científico?

Ah, leva sim.

E faz parte da cultura científica brasileira?

Da ciência como negocio, sim. Da ciência como doutrina, não.


Endereço da página:

Links no texto: