Folha de S. Paulo


O próximo gol de David Beckham depois da aposentadoria

Faz uma semana que David Beckham saiu de campo pelo Paris Saint Germain na última partida de sua célebre carreira futebolística; uma semana desde que lágrimas, abraços e elogios choveram sobre ele; uma semana desde que começaram os boatos.

A especulação se refere ao que ele fará agora, claro. Ainda que algumas possibilidades interessantes tenham sido sugeridas (Beckham pode estudar interpretação e se tornar o próximo James Bond! Deveria entrar na política!), a opinião majoritária parece ser a de que se dedicará à moda. E por moda não quero dizer colaboração ocasional com a H&M, mas algo em longo prazo que possa terminar nas passarelas da moda masculina de Londres.

Imagine o potencial de promoção, e não só para Beckham: para o mercado londrino de moda masculina como um todo.

De fato, é fácil imaginar a situação (que deixaria na sombra o trabalho que Beckham fez pela Olimpíada de Londres) e o motivo para que ele siga esse curso, mas em minha opinião seria a escolha errada. Considere os argumentos a favor e contra.

Primeiro: sua mulher fez o mesmo.

Para mim, o sucesso de Victoria Beckham na moda feminina dificulta o lançamento de uma linha de moda masculina pelo seu marido. Sim, eles já conhecem o caminho para transferir sua celebridade do entretenimento para a seriedade na moda; e sim, o casal Beckham já trabalhou em parceria para criar produtos (principalmente perfumes).

Mas ao mesmo tempo, para trabalhar a sério com moda e conquistar sucesso, como provado pela Sra. Beckham e pelas irmãs Olsen, e em contraposição a, digamos, Kanye West, é necessário negar a passada fama e assumir um grau de humildade novata que, em minha opinião, seria contraproducente no caso de Beckham.

Segundo, as expectativas seriam muito maiores para a linha de David Beckham, por o casal já ter administrado com sucesso a transição de uma fonte de fama para outra. A jogada mais inteligente, me parece, seria tentar algo novo, evitando a possibilidade de comparações pouco lisonjeiras (o que também poderia prejudicar o casamento).

BELEZA E FUTEBOL

Terceiro, Beckham foi sempre tão famoso por sua beleza quanto por seus chutes, e sem estes últimos a beleza se tornará seu principal atributo.

Não há questão de que, embora o debate sobre a aposentadoria de Beckham tenha ao menos parcialmente girado em torno de seus feitos esportivos (para elogiá-los ou contestá-los, a depender da fonte), a discussão sobre o seu cabelo sempre teve mais destaque.

O "New York Times" publicou uma série de fotos de seus penteados, e não de suas cobranças de falta, na reportagem de primeira página sobre o final da carreira de Beckham nos gramados, e organizações noticiosas que variam do Huffington Post ao "Guardian", passando pela "Glamour UK" e pela Fox News, apresentaram sequências de fotos de seus penteados.

A narrativa, em todos esses casos, dispõe que Beckham fez fortuna com base em sua aparência, e que deve explorar o fato e se tornar modelo de sua própria linha de moda.

No entanto, há um grande salto entre vestir bem uma roupa e experimentar cortes de cabelo radicais, de um lado, e criar roupas para os outros, do outro. Não creio que essas duas coisas tenham qualquer relação, e nem que a primeira de alguma forma conduza à segunda.

Quarto, ele já é uma marca, e a moda gira em torno de marcas.

Esse é provavelmente o mais forte dos argumentos quanto ao possível futuro de Beckham na moda.

Beckham foi o atleta que melhor compreendeu e mais aproveitou o conceito de criação de uma marca pessoal, usando sua beleza e seu casamento para se criar como mercadoria que ia além do futebol, para que os produtos com sua marca fossem vendidos não só para os torcedores do Manchester United, Real Madrid ou LA Galaxy.

Ele emprestou sua imagem a diversos segmentos, das roupas de baixo (Giorgio Armani e H&M) à comida (Sainsbury's) e artigos esportivos (Adidas), com passagens pela tecnologia (Motorola) e óculos de sol (Police). E no entanto tudo isso parece ter sido construído sobre o talento que ele exibia em campo; uma coisa não existiria sem a outra.

Afinal, marcas são apenas valores capturados na forma de um logotipo --ou, em termos humanos, em uma imagem ou nome. E os valores que Beckham representou certamente vieram a incorporar boa forma física e um casamento célebre e aparentemente feliz, mas tudo começou com seu domínio da bola e sua disposição de treinar com muito afinco.

IMAGEM E CONTEÚDO

Não importa o quanto a imagem pareça distante do conteúdo, continuo a acreditar que estivesse lá, como pano de fundo: ele vendeu produtos, ele vendeu sua marca, porque as pessoas acreditavam que existia talento real ali, talento que validava a atenção dedicada ao seu cabelo. A atenção na realidade não se concentrava só no cabelo, mas em sua capacidade como esportista.

Isso é o que separa Beckham dos astros de reality shows como a família Kardashian, que se tornaram famosos por representar um dado momento, provavelmente passageiro, na cultura pop: a fama da fama.

O talento de Beckham era maior que ele, e parte de um contínuo. Renunciar a isso para começar a produzir roupas seria, em minha opinião, esvaziar sua marca de valores, o que reduziria o apelo dela para os consumidores.

Pessoalmente, se eu tivesse de apostar, apostaria em que Beckham vai escolher o modelo Paul Newman de segundo estágio de celebridade.

A saber: continuar envolvido com o futebol, talvez como representante e comentarista, ou proprietário de um time nos Estados Unidos, ou pela criação de um novo centro de treinamento de futebol para jovens, e ao mesmo tempo continuar seu trabalho com linhas sortidas de produtos a fim de financiar seus projetos de caridade.

Ele teria sempre a possibilidade de trabalhar como modelo de roupas de baixo masculinas para Victoria, o que deixaria esse mercado aberto para uma extensão de sua marca.

Tradução de Paulo Migliacci


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