Folha de S. Paulo


Análise: Custo do frete impede desaceleração na alta de alimentos no varejo

O elevado custo do frete no Brasil têm sido o principal entrave para o repasse ao varejo da deflação que os produtos agropecuários têm sofrido desde o início do ano no atacado. É esse custo também o que impede uma desaceleração mais contundente dos preços ao consumidor.

Na avaliação de analistas, o cenário aponta para um alívio no preço dos alimentos, mas este alívio ainda será insuficiente para surtir efeito no bolso do consumidor final. Isso porque os valores dos fretes foram afetados por variáveis como aumento nos preços do diesel e nova lei trabalhista para a categoria.

"Há um pico no período da colheita e depois ameniza. Mas vamos continuar em nível elevado [de preços do frete], e o que foi visto em 2011 e 2012 não deve ser alcançado novamente", disse Aedson Pereira, analista de grãos da consultoria agrícola Informa Economics FNP.

De acordo com cálculos da FNP, neste mês de maio, para o trecho de Cascavel (PR) a Paranaguá (PR), o frete está em torno de R$ 75 por tonelada de soja ou milho, chegando a bater entre R$ 90 e R$ 100 no pico da safra, em março e abril.

Na mesma época de 2012, o valor era de R$ 55, com pico de R$ 65, diferença de mais de 50%.

Já para transportar o grão de Rondonópolis (MT) a Santos (SP), o custo do frete é de cerca de R$ 185 por tonelada, mas chegou a R$ 220 no pico da safra. Em 2012, o custo era de R$ 170, alcançando no máximo R$ 180.

Os principais fatores responsáveis pelo salto destes custos são o aumento no preço do diesel e a mudança da legislação trabalhista dos caminhoneiros.

O combustível, usado nos caminhões que transportam a safra e os produtos, já foi reajustado duas vezes este ano.

Já a Lei do Descanso, que entrou em vigor no ano passado, estabelece que os motoristas têm de parar por 30 minutos a cada quatro horas trabalhadas, além de direito a intervalo mínimo de 11 horas ininterruptas a cada 24 horas.

"Isso reduz o tempo que o caminhoneiro pode trabalhar e, portanto, é preciso mais caminhões para manter o mesmo fluxo. A lei é boa, mas acaba gerando distorção no mercado num momento [de safra recorde e demanda internacional alta] em que há muita necessidade de caminhões", disse o sócio-analista da consultoria agrícola Agroconsult, André Debastiani.

REPASSE BARRADO

Somente em abril, os preços no atacado dos produtos agropecuários no Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) registraram queda de 1,82%, chegando à deflação de 1,96% na segunda prévia de maio. No ano, eles acumulam queda de 6,26%.

Mas apenas em maio os preços dos alimentos no varejo começaram a dar sinais de arrefecimento mais forte, desacelerando a alta de 1% no IPCA-15 em abril para 0,47%.

"Os preços no varejo estão desacelerando, mas num ritmo muito menor do que se esperava tendo em vista o que aconteceu no atacado. E o que influencia mais é o aumento do frete, pois é preciso carregar o grão para ser processado e depois o produto tem que ser levado para o supermercado", destacou a economista Priscila Godoy, da Rosenberg & Associados.

Se nos quatro primeiros meses do ano 30% da deflação dos preços agropecuários tivessem sido repassados aos alimentos no varejo, a inflação ao consumidor medida pelo IPCA poderia estar mais perto de 6% e não tão próxima do teto de 6,5% --meta do governo para o acumulado de 12 meses.

Contas da economista da Tendências, Alessandra Ribeiro, mostram que, no cenário descrito acima, o grupo alimentação e bebidas teria acumulado alta de 4,3% no ano até o mês passado, e não 5,7% como ocorreu. Neste caso, em 12 meses, o IPCA teria registrado 6,15%, abaixo dos 6,49% vistos em abril.

Sinais recentes de fraqueza do consumo, diz a analista, têm o potencial para provocar alguma mudança neste cenário, fazendo com que os varejistas moderem o repasse dos custos, incluindo o dos fretes.

"Os supermercados estão sofrendo e, diante do arrefecimento de demanda, é de se esperar que o repasse de custo não seja tão alto daqui para frente", avalia Alessandra.

PODER DE COMPRA

As vendas no varejo já sentiram o peso da inflação, que corrói o poder de compra da população, com queda de 0,2% no primeiro trimestre deste ano.

De qualquer forma, a expectativa entre os analistas é de que a alta dos preços dos alimentos no varejo continue desacelerando, em alguma medida, nos próximos meses como reflexo da deflação no atacado.

"O repasse [da deflação] deve haver, então temos trajetória de desaceleração de alimentos. Mas, devido aos custos, quem tinha expectativa de deflação [dos alimentos] no varejo eliminou esse cenário", completa Alessandra, que estima o IPCA neste ano em 5,6%, com alta de 9% no grupo alimentação.


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