Folha de S. Paulo


Na contramão da crise, filhos de imigrantes na França criam incubadoras na periferia

Mourad Benamer lembra do dia em que seus pais visitaram pela primeira vez o elegante restaurante de sushi que ele abriu perto da Champs-Élysées, no centro de Paris.

Benamer havia se libertado de um triste subúrbio a nordeste da capital francesa, ou "banlieue", onde cresceu em uma família de imigrantes pobres.

"Viemos de um lugar onde havia injustiça e falta de oportunidades", lembrou Benamer, 36. Mas lá estava ele em 2007, com sua mãe apontando para o "maki" de trufa e de "foie gras" sendo preparado para os clientes do Eat Sushi, que desde então se expandiu para uma rede de 38 restaurantes.

Por décadas, os subúrbios que cercam as grandes cidades francesas foram açoitados pela discriminação e pela pobreza.

Há muito tempo, a França prometeu melhorar a sina das populações da periferia, principalmente a de pessoas com raízes familiares no passado colonial. Mas os críticos dizem que pouco mudou.

NOVA GERAÇÃO

É por isso que uma nova geração de pessoas como Benamer está tentando transformar os subúrbios em incubadoras de empresários.

Essa geração criou fundos de investimento-anjos (quando o investidor aplica recursos próprios em negócios embrionários) e convenceu grandes empresas francesas a contribuir com capital semente que alimente start-ups locais.

"Se esperarmos que o governo faça alguma coisa, as pessoas vão continuar empacadas", disse Benamer. "Se quisermos que as coisas melhorem, temos de fazer nós mesmos."

Como parte da iniciativa de autoajuda, organizações da periferia têm colocado minorias em programas de orientação e emprego em companhias francesas que, apenas uma década atrás, recusavam candidatos que não tivessem nomes franceses.

Majid El Jarroudi, consultor de 36 anos de origem marroquina que cresceu na banlieue de Montreuil, em Paris, fundou a organização Adive para ajudar empresários da periferia.

Segundo ele, "há um crescente reconhecimento de que as periferias não devem ser consideradas lugares de medo, mas sim fonte de dinamismo com pessoas ávidas para trabalhar e ter sucesso".

PAIS ANALFABETOS

Benamer é um caso típico. Um dos dez filhos de um casal de analfabetos, ele cresceu no sujo subúrbio de Bondy. Depois de obter um diploma vocacional aos 18 anos, começou um negócio de sanduíches com seu irmão mais moço, Yahia.

Trabalhando 13 horas por dia, eles logo estavam vendendo mais de 2.000 sanduíches por dia. Em 2006, os irmãos fundaram a Eat Sushi.

No ano passado, um fundo de investimento-anjo, o Citizen Capital, assumiu uma participação de 30% em seu negócio, com planos de duplicar até 2015 o número de lojas e vendas, que, no ano passado, atingiram 20 milhões de euros (cerca de US$ 26 milhões). Hoje a Eat Sushi emprega 550 pessoas.

"Olhe para nós: somos marroquinos vendendo comida japonesa para franceses", disse Benamer. "Se tivéssemos permitido a estigmatização, a França teria nos perdido."

François Hollande, eleito presidente há um ano, prometeu criar empregos e melhorar a educação nas periferias, onde o desemprego médio é de 22% (comparado com 10,5% no plano nacional).

Mas, enquanto ele luta para tirar a França do mal-estar econômico, uma solução do Estado para os problemas econômicos das "banlieues" poderá continuar ilusória.

Para os que buscam uma saída, a estrada é difícil. Na França, uma em cada duas empresas quebra após cinco anos. Já nas periferias, a metade de todas as novas empresas fecha em três anos.

COSMÉTICOS

Raoul Sodjinou, nativo de 41 anos do Benim, na África ocidental, perseguiu seu sonho de montar uma butique de cosméticos para mulheres de pele escura em Saint-Denis, outra periferia.

Em 2008, ele obteve um empréstimo de 300 mil euros da Business Angels des Cités, um fundo de investimento sediado na periferia, para abrir o que ele esperava que fosse a primeira de 30 lojas.

Mas ele não tinha acesso à cultura francesa e a inexperiência o prejudicou.

Ele situou sua loja na extremidade errada de uma saída do metrô, o que atraiu pouco tráfego. Além disso, em um bairro com poder aquisitivo limitado, delineadores de 16 euros e outros produtos de primeira linha que ele oferecia eram caros demais.

Com as vendas baixas, Sodjinou disse que a Business Angels agora teme lhe emprestar mais dinheiro. Porém, ele se recusa a desistir.

"Vir da 'banlieue' e de um passado modesto me deu uma enorme energia", disse. "Alguns desistem. Eu não sou assim. Cabe a nós fazer a mudança. Se não enviarmos essa mensagem para os outros, quem o fará?"


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