Folha de S. Paulo


Tentando ser antenados e modernos, comerciais se tornam insultuosos

A avenida Madison está aprendendo uma lição dolorosa: publicidade de vanguarda pode ter efeitos negativos.

Alguns dos maiores nomes do mercado publicitário, entre os quais Ford, General Motors, Hyundai, Reebok e Pepsi, se viram forçados recentemente a pedir desculpas aos consumidores, que montaram protestos públicos contra comerciais que mencionavam temas como raça, estupro e suicídio.

A Pepsi se viu esta semana em uma reunião com o reverendo Al Sharpton, um líder negro de Nova York, e a família de Emmet Till --o adolescente negro cujo assassinato no Mississipi, em 1959, ajudou a estimular o movimento dos direitos civis - para tentar atenuar as múltiplas controvérsias que envolvem a marca Mountain Dew, controlada pela companhia.

"É como o oeste selvagem", disse Paul Malmstrom, um dos sócios fundadores do escritório da agência de publicidade Mother, em Manhattan.

Especialistas em publicidade oferecem uma longa lista de motivos para a crescente frequência desses incidentes, mas a razão primária para que continuem a acontecer, dizem, é a crescente ansiedade da avenida Madison quanto a criar publicidade que atraia atenção e escape ao lugar comum.

"É a pressão pela criação de publicidade 'viral', a necessidade de obter mais público online, que leva as pessoas a correr riscos", disse Tor Myhren, presidente e diretor geral de criação da Grey New York.

Ele acrescentou que outro fator para isso era o foco em consumidores mais jovens. "Nas reuniões, todo mundo quer tentar descobrir como falar com a geração milênio", diz.

O peso dessas controvérsias para o setor publicitário em alguns casos envolve mais que embaraço. Dois importantes executivos de criação da JWT India, entre os quais um dos sócios da agência, perderam o emprego depois que a companhia produziu anúncios falsos para o Ford Figo, que mostravam mulheres amarradas e amordaçadas, no porta-malas do carro, enquanto celebridades como Paris Hilton e Silvio Berlusconi apareciam ao volante.

A JWT pediu desculpas, e a Ford também, ainda que não houvesse coisa alguma a sugerir que a montadora de automóveis tenha aprovado ou visto os anúncios falsos antes da veiculação.

As celebridades usadas nos anúncios tiveram suas imagens usadas sem consentimento, mas mesmo nos casos em que astros concordam em ceder sua imagem a uma marca há riscos consideráveis.

As celebridades em questão, especialmente rappers e atores com imagens rebeldes e de risco, muitas vezes atraem as audiências jovens que os anunciantes desejam atingir, e têm forte popularidade nas mídias sociais.

Foi o que atraiu a Mountain Dew para Lil Wayne, rapper que assinou um contrato multimilionário de publicidade com a Pepsi no ano passado.

A companhia rompeu o relacionamento com ele na semana passada, depois que a família de Till se indignou com um comercial que se referia a Till com uma letra vulgar, cantada por Wayne ao som de um remix de "Karate Chop", do rapper Future.

Como parte de seus esforços, a família também chamou a atenção para um comercial ofensivo da Mountain Dew criado pelo produtor de hip-hop e rapper Tyler, the Creator.

O comercial mostrava uma garçonete branca, com marcas de quem tivesse apanhado, tentando identificar seus agressores em um alinhamento policial que incluía homens negros e um bode. A Mountain Dew retirou o comercial do ar no dia 1º de maio.

Na quarta-feira, nos escritórios da Pepsi em White Plains, Nova York, executivos da companhia, entre os quais Frank Cooper, o vice-presidente de marketing de envolvimento mundial da Pepsi, e membros da família de Till fizeram uma reunião, com a presença de Sharpton.

Em entrevista por telefone, Sharpton definiu a reunião como produtiva e seu tom como respeitoso. Ele disse que "a família explicou a dor que havia sofrido desde o homicídio" e os executivos da Pepsi "repetiram seu pedido de desculpas e informaram que haviam rompido de vez seu relacionamento com Wayne e retirado o apoio da empresa à turnê dele".

Em comunicado, a família de Till afirmou que "nossa esperança é uma colaboração constante e significativa que una a comunidade da música, as grandes empresas, organizações de base e a juventude". Um representante da Pepsi concordou em que a reunião havia sido amigável, mas não quis oferecer outros detalhes.

David Schwab, vice-presidente sênior da Octagon First Call, parte do grupo Octagon de marketing esportivo e de entretenimento, disse que a marca usava astros para "criar conscientização e criar diferenciação".

"Mas uma celebridade que pode fazer diferença sempre envolve um risco elevado", disse Schwab, o que significa que "há mais pressão sobre as marcas para que sejam cuidadosas".

Em abril, a Reebok rompeu seu contrato com o rapper Rick Ross depois que a marca começou a ser pressionada em função de uma letra que ele cantou em "U.O.E.N.O.", canção de Rock que falava em drogar uma mulher e fazer sexo com ela sem que ela soubesse.

A Hyundai do Reino Unido retirou no mês passado um comercial que mostrava um homem tentando se matar ao ligar o motor de seu carro dentro de uma garagem. O comercial, dirigido ao mercado europeu, mostrava o fracasso da tentativa porque o carro era um Hyundai com emissões zero. A revelação tinha a pretensão de ser engraçada, mas os telespectadores ficaram horrorizados com um comercial que parece zombar do suicídio.

A General Motors retirou um comercial de seu Chevrolet Trax, um utilitário de pequeno porte vendido em alguns países, entre os quais o Canadá. O anúncio se passa nos anos 30, e traz um remix moderno de uma canção da era que fazia referência aos chineses usando versos como "ching ching, chop suey".

Bob Garfield, crítico veterano de publicidade e autor de "Can't Buy Me Like", disse que a situação é agravada pela cultura de Internet que tanto agrada a geração milênio, descrita por ele como "área sem fronteira", na qual "reina um senso de permissividade". Portanto, acrescentou, não deveria causar surpresa que "incríveis erros de julgamento" aconteçam regularmente, da parte de grandes marcas e agências de publicidade.

Nancy Hill, presidente da Associação Americana de Agências de Publicidade, disse que "a corrida para divulgar alguma coisa no Twitter e conquistar aprovação nas redes sociais" sobrepujou o impulso de "parar para pensar e garantir que o anúncio esteja executado da exata maneira pela qual você gostaria de vê-lo recebido".

Schwab disse que anunciantes como a Pepsi precisam parar para considerar cuidadosamente antes de fechar contratos com celebridades como Lil Wayne, "descobrindo qual é a história dessas pessoas, o que suas letras dizem, como interagem com os fãs - pode ser que uma simples busca no Google baste".

Myhren diz que sua agência submete todos os anúncios que cria a revisão legal, e que acredita que os clientes que os veiculam façam o mesmo.

Ainda assim, "veremos mais" controvérsias publicitárias, ele previu, até que "surja um incidente realmente horrível, algo que acontecerá a um dos maiores anunciantes e fará com que todo o mercado reconsidere seus mecanismos de controle".

Sharpton disse que pretende liderar uma conversação mais ampla com os executivos da Pepsi; outras grandes empresas; o setor musical; grupos de defesa dos direitos civis; e as famílias de Till e Trayvon Martin. Ele disse que faria contato com executivos da Coca-Cola, Wal-Mart, da gravadora Cash Money e com o magnata do rap Russell Simmons, entre outros, e que esperava organizar uma reunião dentro de 30 dias.

"Não quero impedir que os artistas negros se expressem, mas como nos protegermos contra a depravação e a misoginia?", ele questionou. "Os artistas não compreendem que embora seu público talvez seja jovem, eles estão liderando com questões de responsabilidade empresarial que envolvem acionistas mais velhos, e estes não vão tolerar esse tipo de coisa".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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