O Palácio do Planalto perdeu ontem o controle da votação da MP dos Portos porque deixou crescer entre os congressistas um sentimento de que havia tomado lado numa guerra empresarial.
Quando reviu concessões do setor elétrico, o governo tinha um discurso: reduzir a conta de energia. Por isso, teve apoio e conseguiu passar, mesmo com resistências no Congresso, sua ideia.
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Na MP dos Portos, a revisão foi ainda mais profunda que a das elétricas. Mas o discurso não foi convincente para justificar a medida. Não está claro quem ganha e quem perde com a MP.
De um lado nessa disputa, temos as empresas que já operam nos portos públicos, que se dividem entre pequenos e grandes grupos (Santos Brasil, Libra Terminais, Wilson Sons são alguns). Do outro estão as companhias que querem entrar no negócio, entre elas novas indústrias, empreiteiras e donos de navios (EBX, Odebrecht, MSC).
O embate ocorre porque a antiga lei fixava uma restrição entre tipos de terminais. Os privados só podem transportar cargas próprias. Os públicos podem fazer o transporte de produtos de terceiros.
A MP acaba com essa distinção e, ao longo de sua tramitação, a ideia tornou-se forçadamente consensual entre as empresas.
Mesmo com essa nova regra, os terminais existentes (públicos e privados) não serão capazes de suportar o crescimento do volume de carga do país, nem para os próximos dois anos. É imprescindível construir mais portos rapidamente, ato que a iniciativa privada faz bem, acabando assim com o caos logístico visto nas intermináveis filas de caminhões.
QUALIDADE E CUSTO
No modelo híbrido (públicos e privados disputando) criado na MP, a concorrência forçaria portos públicos, caros e mal administrados, a melhorar qualidade e custo. Para ajudar a baixar o preço do transporte --o maior benefício prometido com a medida-- o governo entregaria suas áreas em portos para empresas administrarem num tamanho mais racional, cobrando só pelo uso.
O modelo do Planalto parece perfeito para resolver o problema de poucos e pequenos, e por isso caros e lucrativos, portos. O problema é que ele se choca com a realidade.
Fazer porto privado não é fácil, talvez por isso haja poucos no mundo. Uma coisa é usar a estrutura de portos existentes e uma empresa fazer um terminal privado nele. Outra é fazer todo o enorme trabalho do zero.
Sobrará para portos públicos já existentes suprir a demanda. Certamente seus preços serão menores. Primeiro porque o governo abriu mão de arrecadar parte dos ganhos dos usuários, a outorga, para usá-lo em obras na parte marítima (o Tesouro pagaria essa conta).
E, segundo, porque injetou no sistema o fator de competição que, ainda que não se concretize, já funciona só pela ameaça da concorrência.
E quem ganharia com isso?
No sistema de transporte, todos os custos dos terminais públicos ou privados variam entre 5% e 8% do preço total da carga que chega ou sai do Brasil. O resto gasta-se com transporte interno, navio, impostos e farta burocracia. Reduzido à metade o custo do terminal, o gasto logístico cai apenas 4%.
O Planalto não tinha a opção de não fazer nada diante da péssima situação dos portos. Mas a estrutura original da MP não era boa. Tanto que o próprio governo aceitou 150 modificações no texto.
A nova versão da MP e a falta de acordo entre os principais partidos da base (PMDB e PT) aguçou ainda mais o sentimento, entre os deputados, de que havia interesses empresariais por trás.
E boa parte dos congressistas ficou com a nítida impressão de que o governo estava do lado dos novos entrantes. Por falta de argumentos, articulação e bons técnicos, o Planalto não conseguiu convencer essa ala do contrário.
Agora, a insegurança criada pela forma como governo e Congresso agiram vai retrair as empresas num momento em que não há tempo a perder.