Folha de S. Paulo


Citado por governo, piso da inflação em 5% opõe analistas

A resistência que a inflação brasileira apresenta em recuar a menos de 5%, piso citado anteontem pelo ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento), membro da equipe econômica de Dilma, divide economistas.

Desde a implantação do regime de metas, em 1999, a inflação só ficou abaixo desse patamar em três anos -2006 (3,14%), 2007 (4,46%) e em 2009 (4,31%).

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Mas no último ano, apesar do fraco crescimento da economia (0,9%), a inflação foi de 5,8%. E vem se acelerando desde então, mesmo com a atividade em ritmo lento, chegando a 6,59% nos 12 meses encerrados em março.

A inflação acima da meta (de 4,5% com tolerância de até 6,5%) e o diagnóstico de que ela ficou mais resistente e espalhada levaram o Banco Central a elevar a taxa de juros na semana passada.

O objetivo é fazer a demanda recuar e, com isso, desencorajar reajustes de preços.

Em entrevista à Folha, o ministro Fernando Pimentel disse que o Brasil tem uma "inflação de base", entre 5% e 6%, indicando resistência dos preços em se acomodar em níveis mais comportados.

Economistas discordam da percepção do ministro. Para o economista e colunista da Folha Alexandre Schwartsman, que foi diretor do Banco Central entre 2003 e 2006, o governo é que tem sido resistente em reduzir metas.

"A resistência da inflação se deve, em primeiro lugar, à insistência em manter a meta em 4,5%, mesmo quando expectativas rodavam abaixo disso [entre 2005 e 2010]", afirma, referindo-se à percepção de inflação mais baixa de empresários e trabalhadores.

Essa percepção se deveu, diz Schwartsman, ao trabalho do BC de mostrar com rigor que buscava a meta.

"Hoje o desvio é de 2 pontos percentuais. Se não for tratado agora, será mais alto em poucos anos e o custo de reduzir a inflação será muito maior, assim como hoje já é bem maior do que se tivesse sido tratado em 2010-2011."

Em cerca de um mês, o governo definirá a meta de inflação de 2015, no novo mandato presidencial.

Com o atual distanciamento da meta, economistas que defendem mudar o alvo e admitir a resistência dos preços.
Luiz Fernando de Paula, professor da Uerj e presidente da Associação Keynesiana do Brasil, afirma que a meta poderia ser elevada para 5%.

"Eu sempre prefiro menos inflação, a questão é saber o preço que vai se pagar por isso", afirma.

Na sua avaliação, a economia mundial está instável e os preços de itens, como serviços, subiram porque há hoje mais de consumidores, com a nova classe média.

"Nesse contexto, ter alguma flexibilidade é bom."

É essa expansão acelerada dos serviços, em contraste com o marasmo na indústria, que leva Mônica de Bolle, professora da PUC-Rio, a recomendar um freio de arrumação. "Se quiser reduzir a inflação, é preciso penalizar todos os setores", diz. "Mas tudo depende do que se busca: você quer crescer um ano e parar logo mais porque será obrigado a fazer um grande ajuste ou prefere parar e colocar a economia no caminho da expansão sustentável?".

Para Luiz Gonzaga Belluzzo, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e é tido como conselheiro da presidente Dilma Rousseff, a meta de inflação deve ser perseguida em mais tempo, além de um ano. Isso permitiria enfrentar problemas que impedem que a inflação recue a menos de 5%, como a indexação dos preços.

"A estabilização [de preços] não está completa. A percepção de inflação dos formadores de preço, que todo ano reajustam mensalidades escolaridades e tarifas de ônibus, indicam isso", diz.

ENTENDA COMO PENSAM OS ECONOMISTAS

Economistas normalmente classificados como ortodoxos defendem que o Banco Central persiga taxas baixas de inflação, mesmo que isso envolva subir os juros em momentos de alta de preços, freando a economia. Isso garantiria crescimento de longo prazo mais alto e estável.

Economistas chamados heterodoxos acreditam que o Banco Central pode ser um pouco mais tolerante com a inflação para evitar freadas da economia, sem que isso prejudique a tendência de crescimento.


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