Folha de S. Paulo


Análise: Índice de desemprego e ata do Copom devem ser analisados em conjunto

Conseguimos mais uma vez jogar a taxa de desemprego para o menor patamar da história --os desempregados foram apenas 5,7% em março, contra 6,2% no ano passado, segundo o IBGE.

Nunca antes na história deste país, diriam alguns.

Boas notícias também no rendimento do trabalhador, que recebeu em média R$ 1.855,40 no último mês, valor praticamente estável em relação ao mês anterior e um avanço de 0,6% em relação ao ano passado em termos reais.

Desemprego tem a menor taxa para março em 12 anos, diz IBGE
Membros do BC são unânimes em defender uso da política monetária contra inflação

Boas notícias, não? Na verdade mais ou menos, mas isto depende qual lado da moeda você está observando.

Hoje o dia mal começou e a agenda econômica já foi intensa. A PME (Pesquisa Mensal do Emprego) de hoje foi antecedida pela ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), documento que está sendo lido com lupa pelos investidores e pelo mercado financeiro na tentativa de entender --e antecipar-- as próximas decisões de política monetária.

O Banco Central vem repetindo à exaustão que vê com preocupação a "estreita ociosidade no mercado de trabalho" --que se traduz, entre outras coisas, no aumento dos salários acima da inflação. Em outras palavras, significa dizer que a renda do trabalhador valida a alta atual dos preços.

Essa é uma forma de ver a questão.

Alguns economistas entendem que o comportamento dos preços é a variável mais importante na determinação dos investimentos em um país e, ao manter os preços estáveis, o horizonte de planejamento das empresas aumenta, trazendo previsibilidade aos principais vetores do investimento.

Por isso, a única missão do BC deveria ser estabilizar a inflação, nem que para isso tenha que reprimir os salários via elevação do desemprego.

Outra forma de ver a questão do desemprego e do investimento é bastante trivial, mas por incrível que pareça não é consenso entre os economistas.

Segundo este outro grupo de economistas, só há investimentos se há demanda acima da produção corrente --ou seja, um empresário só investe se ver que já está vendendo tudo o que produz e mesmo assim há espaço para vender mais.

Nesse sentido a inflação é uma sinalização para o empresário investir mais, e não ao contrário. Se os preços sobem, isso quer dizer que tem uma demanda maior que a oferta e por isso há espaço para investir.

Se fosse simples assim seria fácil. Mas, como tudo na vida --e no calor tropical do Brasil parece que tudo se confunde ainda mais--, tudo é mais complicado do que parece.

O Brasil está crescendo, e isso é bom, mas o crescimento está impondo à sociedade brasileira uma redistribuição dos bens e serviços disponíveis que são, por definição, escassos no curto prazo.

Para deixar a escassez e criarmos as bases para o crescimento econômico ser virtuoso e não se esvair do sistema na perda de calor via inflação, é necessário investir.

Investir, contudo, significa construir o futuro, e isso se faz com uma leitura do presente e uma aposta no futuro.

A ponte entre o presente escasso e um futuro menos restritivo se dá pela forma que nos relacionamos com a moeda. É a moeda que cria a ponte entre o presente e o futuro, e por isso a taxa de desemprego e a ata do Copom estão intimamente ligadas.

Se você me perguntar, acho que o Brasil é sim um grande negócio e investir irá render bons frutos.

Se você acha, no entanto, que o Brasil não tem as condições de resolver seus problemas de médio e longo prazos (por conta da falta de educação básica, corrupção etc.), você está apostando que o consumo só vai se traduzir em calor, sem com isso construir o passo para o futuro do investimento.

Como vimos, há a cara e a coroa dos dados do desemprego divulgados hoje. Cabe a você, investidor, escolher. Ou quem sabe simplesmente jogar a moeda para cima.

ANDRÉ PERFEITO é economista-chefe da Gradual Investimentos


Endereço da página:

Links no texto: