Folha de S. Paulo


"Acredito em obter resultados sem 'fatiar' as pessoas", diz CEO do Magazine Luiza

Por trás de uma grande mulher, também há sempre um grande homem.

No caso do Magazine Luiza, que tem a empresária Luiza Helena Trajano como fundadora, conselheira e garota propaganda, esse homem é Marcelo Silva, 62, presidente da segunda maior varejista do país.

É ele quem negocia com fornecedores, fixa preços, define abordagem do cliente, cuida do comércio eletrônico, das entregas, além de contratar e de demitir funcionários.

Para essa última função, alinhado com dona Luiza, é adepto do que chama de política do "Gente não é salame para ser fatiado!", que procura valorizar e preservar talentos treinados.

Silva está lançando o livro "O que a vida me ensinou" (Saraiva). Leia trechos da entrevista.

Marcelo Justo/Folhapress
Marcelo José Ferreira e Silva, principal executivo do Magazine Luiza, na sede da empresa, na Vila Guilherme (SP)
Marcelo José Ferreira e Silva, principal executivo do Magazine Luiza, na sede da empresa, na Vila Guilherme (SP)

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Folha - Como foi o "casamento" com Luiza Helena Trajano, dona do Magazine Luiza?

Marcelo Silva - Eu a conheci em 2004 no IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), que reúne as empresas formais do setor, que vendem com nota, formalizam os empregados. Percebemos uma sintonia de valores muito forte. Em 2006, ela já tinha decidido profissionalizar mais a gestão e me convidou para ser o CEO. Mas eu não podia sair das Pernambucanas, precisava esperar 2008 terminar, porque era o ano de seu centenário. Sou pernambucano e não faria isso com nenhuma empresa. Ela disse então que, quando eu decidisse, que a procurasse.

E ela esperou?

Quando terminou 2008, falei com os acionistas e formalizei minha decisão em reunião do conselho. Telefonei e disse: "Luiza, cumprindo o que falei, deixei a Pernambucanas ontem". Mas não havia compromisso dela comigo, nem meu com ela. Disse que queria fazer um sabático, um curso em Harvard. Mas ela disse que precisava de mim e Harvard ficou para depois.

Qual foi a sua trajetória até chegar ao varejo?

Sou de Palmares, nasci num pequeno engenho de cana-de-açúcar de Pernambuco. Meu pai queria estudar, meu avó podia [bancar], dizia que iria mandar os filhos estudar no Nordeste, mas nunca mandou. Meu pai se casou com minha mãe, tiveram 12 filhos, e a obsessão dele era com os estudos. Estudamos em colégio interno, mas chegou em um ponto em que a gente não tinha mais como estudar. Fomos para Recife estudar e comecei a trabalhar aos 15 anos como escriturário.

Aos 20, no terceiro ano de faculdade, surgiu a oportunidade de trabalhar na Arthur Andersen, empresa falecida estupidamente por conta de pessoas que colocaram os interesses financeiros acima dos valores éticos. Foi isso o que aconteceu com ela e muitas outras empresas. Quando o ganho está acima de tudo, você passa por cima da ética, da moral, do legal, porque o que prevalece é o dinheiro.

Mas e a cobrança por resultados, eficiência?

Como CEO, me perguntam se não gosto de resultado. Gosto, não; tenho de dar resultado. Caso contrário, você está fora. Mas não posso obter resultado passando por cima de pessoas. Uma empresa que abre o capital tem de tomar cuidado, o mercado demanda resultados de qualquer maneira. Quando você passa por cima dos colaboradores, você passa por cima dos clientes. É isso o que acontece com a maioria das empresas. Vim para uma empresa que não pensa assim, que nunca vai demandar de mim fazer lucro de qualquer maneira.

Se quiser me demandar dar lucro de qualquer maneira, estou fora. Não vale a pena. Não estou dizendo isso por ser melhor do que ninguém, é por que acredito nisso. Nas Pernambucanas, trabalhei seis anos e meio sem passar por cima de ninguém.

Por falar em resultados, como está o varejo?

O varejo não está em rota de crescimento. O brasileiro está mais cauteloso, ouve sobre a inflação e isso mexe com sua cabeça. Mas achamos que o segundo semestre será melhor. Sempre olho o copo e o vejo meio cheio. Tem uma série de medidas sendo adotadas, como a desoneração [que terão impacto]. A economia não decola por obra e graça do Espírito Santo. 2013 será melhor que 2012.

A classe média parou de comprar?

Com pleno emprego, não há esgotamento do consumo. Estamos longe disso. Acompanho os dados do Caged [cadastro de emprego do governo], me preocuparei se o desemprego aumentar. A entrada de consumidores na classe C continua, e essa faixa, quase toda, ainda tem de comprar lavadora, por exemplo. Quem já tem geladeira quer mudar para uma melhor, frost-free, o mesmo acontece com a televisão, LED. Mais casas estão em construção e precisarão de móveis.

Precisamos fazer a inflação ter um patamar adequado, o desemprego sob controle e juros menores, assim a economia vai crescendo.

Como o varejo pode crescer sem perder suas raízes, sem se descaracterizar?

Nós somos um dos três cachorros grandes do varejo. Esse tamanho é uma base em que queríamos estar. É possível [crescer mais], mas o desafio é maior. São 22 mil colaboradores, 1.200 líderes. Em treinamentos, levamos esse pessoal para um hotel em Atibaia dizendo: vocês não podem embutir seguro e garantia estendida. Não podem fazer isso. Isso é gol de mão. Não façam isso.

A concorrência faz gol de mão?

Muitos fazem. E, se fizerem na gente, tomamos providência. A Luiza fala o tempo todo nisso. Temos um código de conduta que não pode ficar no papel. Mas são 22 mil pessoas, esse é o maior desafio. Por que quando se coloca o lucro à frente de qualquer coisa fica difícil.

Se você é o CEO e os maiores acionistas não prezarem isso, esqueça, não tem a menor chance. Vim trabalhar aqui, no Magazine, porque percebi que os valores coincidiam com os meus.

Como o varejo pode crescer sem perder os valores?

Trocou de dono, perde a referência. É um desafio passar o bastão em mãos que vai manter esses valores. O dia que essa empresa sair das mãos dos Trajanos, será uma empresa como outra, onde prevalecerão os resultados. Trabalhei 24 anos no supermercado Bompreço e assisti a isso. Por isso, fiz questão que Frederico [Trajano, filho e diretor da rede] fizesse o prefácio do meu segundo livro. Ele é como a mãe, coloca os valores na empresa.

Não aceito colocar a ganância e lucro acima das pessoas. Vai ter de passar acima de mim. Não concordo que as pessoas não sejam a coisa mais importante no planeta. Agora, os políticos descobriram que emprego garante eleição. Obama, Lula, Dilma, todo mundo descobriu isso. Tem desemprego? Perde o cargo ou não é reeleito. O povo vai votar na oposição no pressuposto de que aquele vai dar emprego.

O sr. já fez demissões em massa?

Em 2009, quando veio a crise, foi preciso ajustar os quadros da Pernambucanas à realidade das vendas. Decidi não estabelecer um percentual. Pedi para que fizessem uma avaliação para eliminar os improdutivos e os aqueles que não aderiram aos valores da companhia. Quando você estabelece um percentual, pode cometer um festival de injustiças. Dei essa ordem muito angustiado, com a música de Gonzaguinha na cabeça.

Qual música?

No dia da demissão fui para casa com a canção "Um homem também chora", de Gonzaguinha, martelando minha cabeça: "Um homem se humilha, se castra, seu sonho. E sem o seu trabalho, o homem não tem honra. Vê quem tem honra na miséria e sem trabalho? E sem a sua honra, se morre, se mata... Não dá para ser feliz, não dá para ser feliz..." Por isso digo que gente não é salame para ser fatiada. "Corta 10%, corta 15%".

Existe uma receita, uma filosofia para comandar uma companhia?

Tudo que sei é porque devo a alguém e porque a vida me ensinou. Por isso fiz o livro, com esse tema. A essência é acreditar e apostar nas pessoas. Muita gente diz que as pessoas estão em primeiro lugar, mas não pratica isso. Cada vez mais as empresas têm essa consciência, mas sem prática. Com as demandas por resultado, velocidade para obtê-los, muitas empresas atropelam isso. Não abdico dos resultados, empresa que não dá resultado está fora. Mas o grande desafio é dar resultado sem passar por cima das pessoas.

Apesar da sintonia de valores com a rede, o sr. já é cobrado pela dona Luiza?

Quando a gente não entrega para o cliente no prazo, por exemplo, somos cobrados, ela reclama. Ela mantém contado direto com os clientes e cobra, mesmo: "Olha, tem entrega atrasada".

Como são as negociações com fornecedores?

É de ganha-ganha. Não tem ganha- perde, isso não é sustentável. Procuramos manter negociação normal para os dois lados. Não temos queda de braço. Cada empresa tem seu modelo [de agir nas negociações], não quero avaliar os outros. Há vários grandes fornecedores, Whirpool, Samsung, Philco, ELetrolux, Mabe, LG.


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