Folha de S. Paulo


Perfil de ex-chefe da Volks traz relato despojado sobre setor automotivo

Livros de negócio em geral carregam um charlatanismo que atrapalha um de seus principais propósitos: compartilhar experiências, de sucesso ou não.

Cabe ao leitor a tarefa de superar a resistência a textos enfadonhos para sugar informações camufladas em histórias de grandes figuras.

Não espere algo muito diferente em "O Homem Volkswagen", perfil de Wolfgang Sauer, ex-presidente da companhia alemã no Brasil.

Trata-se de um livro de mais de 500 páginas com plenas condições de ser escrito em menos de 250.

Fosse esse o caso, não seria a biografia do franco-alemão que ajudou a consolidar um dos setores de maior relevância à economia do país.

Seu carisma, mostrado à exaustão na obra, aparece como uma espécie de explicação velada à trajetória de sucesso e serve de isca ao leitor. Transborda as páginas e conquista aos poucos.

É como se Sauer saltasse ao livro exercendo seu hábil jeito de negociar para convencer que a pobre narrativa é um detalhe menor, que vale a pena seguir adiante.
Vale, sim, para saber como a filial da montadora não se acanhou à matriz e conquistou mercados no exterior.

Ou para entender a próxima relação entre Brasília e os chefes da indústria automotiva, além da fusão entre a Volkswagen e a Ford no Brasil que originou a Autolatina no final dos anos 1980.

Ricos, mesmo, como destaca Deflim Netto no prefácio, são os pormenores de uma das mais fantásticas histórias do setor: a exportação de 180 mil Passats ao Iraque em período de guerra, uma operação de US$ 1,7 bilhão.

Arquitetada por Sauer e executada por seu fiel escudeiro Ricardo Strunz, a transação foi negociada pessoalmente com Saddam Hussein.

O pagamento, feito em petróleo, exigiu autorização de ministros da vizinha Jordânia e mobilizou mais de 3.000 caminhões, que trafegaram por 1.200 quilômetros até embarcar de navio ao Brasil, onde seria comprado pela Petrobras, envolvida no negócio.

A descrição é saborosa, com direito a riscos de guerra e a exaltação de um senso de desbravamento ímpar, capaz de enterrar o argumento atual das montadoras sobre a falta de competitividade como entrave à exportação.

Há casos semelhantes por todo mundo, da Argélia à China, passando pela audaciosa missão de exportar o Voyage aos EUA.

Em igual relevância é o trecho sobre quando a Volkswagen decidiu peitar o Estado contra o controle de preços que fez a matriz questionar se a filial era privada ou virara um braço estatal.

Foi uma de tantas vezes em que a Alemanha cogitou encerrar as operações no Brasil.

Os dois episódios são o denso da obra. Bastariam para sustentar um título.

Um executivo com tamanha milhagem --foi apontado como o maior cliente de uma companhia aérea-- traz, é claro, boas histórias secundárias, como quando pediu ao governo que soltasse Lula da prisão ou sobre como ouviu de um dos seus primeiros professores que deveria limpar trilhos de bondes.

Os relatos ao longo da obra reforçam o perfil de exímio negociador.

Se as 500 páginas não desvendam a fórmula por trás da qualidade, exercem ao menos a função de ser um compilado de boas práticas de administração.

Podem conquistar iniciantes e experimentados do "mundo corporativo" que não tenham interesse em uma historiografia despojada da indústria automotiva.

O HOMEM VOLKSWAGEN
AUTOR Wolfgang Sauer (pesquisa e redação: Maria Lúcia Doretto)
EDITORA Geração
QUANTO R$ 58 (528 págs.)
AVALIAÇÃO Bom


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