Folha de S. Paulo


Análise: Artifícios contábeis distorcem austeridade e investimentos

Um incauto que quisesse conhecer as contas do governo poderia crer que uma fonte usual de receita do Tesouro é uma certa "cessão onerosa para exploração do petróleo".

Afinal, essa rubrica consta de todos os relatórios mensais dos resultados do Tesouro e de uma planilha oficial que registra a evolução dos principais componentes da receita e da despesa federal desde janeiro de 1997.

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Mas, quando se observam os dados com mais atenção, percebe-se que o valor arrecadado com a tal "cessão onerosa" é zero em 190 dos 191 meses do período. Só em setembro de 2010 aparecem espetaculares R$ 74,8 bilhões.

A rubrica e a sucessão de zeros na estatística são parte de um esforço quase heroico para dar aparência de normalidade a uma insólita manobra para camuflar o estouro das contas federais.

O dinheiro foi pago ao Tesouro pela Petrobras, que recebera títulos da dívida federal para engordar seu caixa. De tão extravagante, a operação não se encaixava nos itens da contabilidade pública --foi preciso introduzir um novo.

As consequências vão além da anedota. A análise da política fiscal, fundamental para as previsões de endividamento público e inflação, depende da solidez dos dados.

Os números oficiais indicam, por exemplo, piora da receita em 2011 --ocorreu o contrário. Da mesma forma enganosa, 2010 e 2012 parecem períodos de austeridade nos quadros do Tesouro.

A maquiagem não se restringe aos truques necessários para cumprir as metas fiscais. As estatísticas mostram também um forte aumento dos investimentos do governo em 2012, a despeito da estagnação na infraestrutura.

Para tanto, subsídios do Minha Casa, Minha Vida passaram a ser contabilizados ao lado das obras públicas. O gasto com investimentos subiu, literalmente, por decreto --assinado por Dilma para sacramentar a reclassificação dos subsídios.


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