Folha de S. Paulo


Com ameaça perene da Coreia, Japão escolhe 'norte' como ideograma do ano

AFP/Jiji Press
Mestre do templo Kiyomizu escreve o ideograma que simboliza 'norte' em cerimônia no último dia 12

Desde 1995, a Fundação Japonesa de Exame de Proficiência em Kanji promove anualmente uma votação popular em todo o Japão para escolher o ideograma (kanji) que melhor representa o ano que passou.

O anúncio de 2017 foi feito no último dia 12, em Quioto, numa cerimônia na qual um monge revelou o ideograma escolhido através da escrita tradicional japonesa, o shodo.

Por causa das constantes ameaças de Kim Jong-un, este ano a palavra escolhida foi "norte" (kita). O ideograma reflete o desconforto dos japoneses frente à forte pressão que Pyongyang vem fazendo contra os Estados Unidos e seus aliados. Recentemente, por causa dos frequentes testes de mísseis —dois deles sobrevoaram o país e caíram no Pacífico—, o Japão anunciou a compra de foguetes capazes de atingir a Coreia do Norte.

O assunto ganhou destaque e gerou protestos, pois a Constituição pacifista proíbe o Japão de entrar em conflitos armados. O primeiro-ministro, Shinzo Abe, que venceu as eleições antecipadas em outubro, quer mudar a Carta para aumentar a capacidade militar do país.

Também motivaram a escolha do caractere as chuvas torrenciais que, em julho, devastaram a região noroeste do arquipélago e duas notícias envolvendo a venda de jogadores famosos do tradicional time de beisebol Hokkaido Nippon Ham Fighters, que fica ao norte do Japão —o esporte é um dos mais populares do país.

No ano passado, o ideograma escolhido foi "kin", que significa ouro ou dinheiro. Isso porque o Japão ganhou 12 medalhas de primeiro lugar nos Jogos Olímpicos do Rio, e o ex-governador de Tóquio, Yoichi Masuzoe, foi forçado a se demitir depois de um escândalo envolvendo fundos políticos.

ANO DAS ARTES

Tóquio também teve um ano agitado no mundo das artes. A capital japonesa nunca recebeu tantas exposições e mostras —reflexo disso foi a abertura de novos espaços e a reforma de outros.

O Scai Park foi inaugurado em março no estiloso bairro de Tennouzu Isle. Artistas como o indiano-britânico Anish Kapoor e o sul-coreano Lee Ufan, além dos japoneses Kohei Nawa e Naoki Ishikawa, já fizeram exposições na galeria, que conta com uma área de 270 m².

O local é bem mais amplo que seu irmão mais velho, o badalado Scai the Bathhouse, que desde 1993 ocupa o espaço de um antigo banho público do charmoso bairro Yanaka.

Outro dos mais comentados locais este ano foi o museu Yayoi Kusama, aberto em outubro. Localizado na esquina de um bairro residencial de Shinjuku, próximo ao hospital psiquiátrico que a artista chamou de casa por quatro décadas, o prédio tem uma arquitetura minimalista, com curvas suaves e janelões de vidro. A japonesa expõe ali suas criações, entre elas as icônicas abóboras coloridas e os "espelhos infinitos".

Entre as reformas de destaque, o 21_21 Design Sight ganhou um novo espaço, que já foi usado como restaurante e recebeu uma série de exposições e de eventos. A reformulação faz parte das comemorações de dez anos da galeria, considerada a meca dos grandes designers no Japão.

RITUAIS

Os japoneses, assim como os brasileiros, são bastante supersticiosos e seguem uma série de rituais na passagem de ano.

Agora em dezembro, por exemplo, em qualquer supermercado que você entrasse veria em destaque produtos e equipamentos de limpeza. Isso porque este é o mês em que as empresas e as casas passam por uma grande faxina.

Japonês não começa o ano sem fazer uma boa limpeza e isso é levado muito à sério —há inclusive grupos de voluntários que ajudam a limpar casas de idosos, num esquema de mutirão.

Já na noite do dia 31, os japoneses saem às ruas, mas não para ver fogos de artifício ou se divertir em festas. Eles rumam para templos budistas, onde os monges rezam e tocam um grande sino 108 vezes, número que simboliza os pecados humanos.

Cada toque dado no sino remove esses pecados cometidos no ano que chega ao fim, segundo a crença. O sino tocará 107 vezes ainda no dia 31 e uma vez após a meia-noite.

A peregrinação maciça aos templos continua nos primeiros dias do ano. Na capital, o mais visitado é o Meiji Jingu, em Yoyogi. Só nos três primeiros dias de janeiro, o lugar costuma receber mais de 3 milhões de visitantes.

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EWERTHON TOBACE, 41, é jornalista, produtor e documentarista em Tóquio.


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