Na Rússia, a identificação como comunista não se traduz necessariamente em filiação –nem mesmo ideológica– ao Partido Comunista da Federação Russa (KPRF).
Vladislav Staroverov, engenheiro, afirma que o partido até tem projetos que pensam nos mais pobres, "mas ainda faz parte da máquina estatal, [endossando] o Rússia Unida, de Vladimir Putin. E o partido de Putin é liberal".
Staroverov diz que os russos preferem não se declarar comunistas em público, porque a palavra tem carga histórica negativa muito presente e porque as ideias do KPRF se afastaram do marxismo.
O ativista russo Evgeny Belyakov, que também se define como comunista, concorda. "A liderança nacional do KPRF está do lado da Igreja Ortodoxa e tem um discurso anti-imigrante. Eles traíram as ideias comunistas."
Para ele, a sigla terá de passar por mudanças. "O Partido Comunista ainda é a segunda força política da Rússia, mas, se continuar sem identidade, vai perder o posto".
Belyakov deposita esperanças de transformação nas novas gerações. "[Os jovens] não estão obrigados a ler Marx, como nossos pais foram. Na verdade, ler Marx é mal visto na Rússia de hoje. Se leem, o interesse é genuíno."
O historiador brasileiro Rodrigo Ianhez, residente em Moscou, é menos otimista com o futuro do KPRF.
Ele considera que o Partido Comunista ainda se apoia nas gerações mais velhas, que lamentam o fim da União Soviética, e nas pessoas que votam na sigla como forma de criticar Putin.
"O líder do KPRF, Gennady Zyuganov, tem 73 anos e está há 24 à frente do partido. Ele está desconectado da realidade da Rússia contemporânea", afirma o historiador.
Ianhez diz que a esquerda russa não se sente representada pelos comunistas e não concorda com as ideias da oposição liberal patriota.
"Na Rússia, o grupo de esquerda mais respeitável é o Memorial, uma ONG de direitos humanos fundada no fim da URSS. É reconhecida tanto na Rússia como no Ocidente, algo raro. Não há outro grupo relevante no país que abarque a ideologia de esquerda de maneira sensata."
Na última eleição legislativa, num tentativa de se aproximar dos jovens, a campanha comunista usou uma imagem de Stálin fumando cigarro eletrônico e de Lênin com um laptop, jeans e camiseta. O partido se confirmou como a segunda maior força, mas perdeu 50 cadeiras na Duma, passando de 92 para 42 deputados, de um total de 450.
Em março de 2018, na disputa presidencial, o líder comunista Zyuganov deve ser candidato pela quinta vez.
FORA DA RÚSSIA
Ao longo do século 20, a dinâmica interna da União Soviética inspirou revoluções e ditou o rumo das esquerdas no mundo. O stalinismo e a sua rejeição foram definidoras de correntes ideológicas até os anos 1960.
O embate levou a movimentos como o eurocomunismo, que jogava dentro das regras democráticas, ou ao obscuro regime albanês.
A estrela vermelha virou símbolo de partidos socialistas, como o PT atesta em sua origem, mas a relevância das agremiações que se dizem comunistas decresceu após o fim da União Soviética.
Hoje, cinco países se declaram comunistas, contra mais de 30 antes do fim da União Soviética. A China se destaca, mas a república socialista fundada em 1949 por Mao Tsé-Tung tem tantas particularidades que o seu comunismo hoje só subsiste na repressão e no autoritarismo crescente.
Segunda maior potência econômica do mundo, e em ascensão, a China está em posição tão única que sua própria Constituição fala num certo "socialismo com características chinesas".
O mesmo ocorre, no extremo oposto da balança econômica, com a ditadura da Coreia do Norte, que expurgou o marxismo de suas definições para abraçar uma concepção de dinastia familiar comunista. As ditaduras do Vietnã, de Laos e de Cuba mantêm aberturas econômicas em graus distintos.
No Brasil, o comunismo subsiste nominalmente em pequenos partidos –o maior, o PC do B, virou satélite do PT.
Colaborou IGOR GIELOW