Folha de S. Paulo


Meca do jornalismo em Washington, Newseum corre risco de fechar

Gary Cameron - 1º.out.13/Reuters
Homem vê capas de jornais diários na fachada no Newseum, em Washington

No momento mais sensível em décadas para os jornalistas nos Estados Unidos, o Newseum corre o risco de encerrar suas atividades.

Meca do jornalismo na capital americana, o imponente museu de sete andares opera no vermelho desde que se mudou para a avenida Pensilvânia, em 2008, com gastos de US$ 61 milhões por ano.

Hoje, quase dez anos depois da inauguração, a dívida relacionada a sua construção ainda está em US$ 300 milhões –com juros que, segundo o jornal "The New York Times", aumentaram significativamente no último ano.

Mesmo cobrando um ingresso nada simbólico (US$ 24,95 para adultos, mais de R$ 80) numa cidade onde quase todos os museus têm entrada gratuita, o valor arrecadado com os cerca de 820 mil visitantes anuais equivale a apenas 12% do orçamento.

A maior fonte de renda vem do Freedom Forum, fundação que criou o museu em 1997 e fez um investimento de US$ 500 milhões nos últimos 20 anos —desde que funcionava num espaço mais modesto em Rosslyn, no Estado de Virgínia, do outro lado do rio Potomac.

Só que a própria fundação acendeu o alerta, reconhecendo que não está conseguindo tapar o buraco. Em agosto, o então presidente do museu, Jeffrey Herbst, renunciou repentinamente.

Entre as opções, estão sair do prédio de localização privilegiada, próximo ao Capitólio, concebido especialmente para abrigar cada seção do museu, ou mesmo a alternativa mais extrema: fechar as portas.

EFEITO TRUMP?

Há quem especule se os ataques do presidente Donald Trump à imprensa poderiam estar contribuindo para enterrar o Newseum, mas o museu afirma que o número de visitantes tem crescido. Contudo, o que vem da bilheteria é muito pouco diante dos custos operacionais, e as doações não passam de 10% do orçamento.

A instituição consegue receita adicional com o aluguel do espaço para conferências e até casamentos, que ocorrem entre fotos vencedoras do Pulitzer e capas dos jornais de 12 de setembro de 2001.

Mas os eventos mais importantes do Newseum —debates públicos sobre temas como liberdade de imprensa e a indústria de difusão de notícias falsas, que atraíram ainda mais interesse no governo Trump— são geralmente gratuitos.

RECUPERANDO CAMELOT

Mais do que realizar exposições e debates, o Newseum desenvolve um importante trabalho de pesquisa e conservação.

Um dos resultados mais impressionantes pode ser visto na exposição "Creating Camelot: The Kennedy Photography of Jacques Lowe" (criando Camelot: a fotografia de Kennedy de Jacques Lowe), em exibição até 7 de janeiro.

A mostra é parte das comemorações do centenário de nascimento de John F. Kennedy, que morreu baleado durante seu mandato de presidente dos Estados Unidos (1961-63).

Todos os 40 mil negativos de Lowe —fotógrafo oficial da então família presidencial e falecido em maio de 2001— foram destruídos junto com as Torres Gêmeas. O que restou do seu importante registro histórico foram as folhas de contato, marcadas com caneta vermelha, que estavam armazenadas em outro escritório em Nova York.

A partir delas, uma equipe do museu conseguiu recuperar 70 imagens, como a do discurso da vitória de Kennedy em 1960, em Massachusetts, ao lado de Jacqueline grávida —foto sobre a qual Lowe havia feito um grande círculo e uma letra "V" em vermelho.

As fotografias retratam o casal Kennedy e a filha mais velha, Caroline, em situações cotidianas na campanha e no começo do governo, num registro tão íntimo e intenso que ajudou a aproximar ainda mais o presidente dos governados.

Durante seu mandato, Kennedy teve a maior média de aprovação em comparação com os últimos 11 presidentes (70%). Ainda hoje, 74% dos americanos o consideram "excepcional", segundo um levantamento Gallup.

Parte de sua popularidade após a morte é atribuída a Jackie, responsável por criar o mito que relaciona a Casa Branca sob Kennedy à imagem de Camelot (castelo lendário do rei Arthur), recuperado no título da exposição.

Em entrevista à revista "Life" uma semana após o assassinato do marido, a ex-primeira-dama revelou que os dois gostavam de ouvir, antes de dormir, gravações do musical em que o ator Richard Burton interpretava o rei Arthur.

Na sequência, emendou a frase que ecoaria por décadas: "Haverá bons presidentes novamente, mas nunca outro Camelot".

ISABEL FLECK, 35, é correspondente da Folha em Washington.


Endereço da página:

Links no texto: