Folha de S. Paulo


Paris quer ser a primeira metrópole sem carros até a Olimpíada de 2024

Jacques Demarthon/AFP
Carros antigos desfilam pelas ruas de Paris, em parada de 2012

No último dia 13, o Comitê Olímpico Internacional (COI) aprovou Paris como sede dos Jogos Olímpicos de 2024. Quando a Olimpíada começar de fato, a capital francesa estará transformada.

O vice-prefeito da cidade, Jean-Louis Missika, diz que até essa data é muito possível que "os veículos com motores de combustão conduzidos por particulares" já tenham sido proibidos em Paris.

Da janela de sua sala de trabalho na sede da prefeitura parisiense, ele faz um gesto em direção à movimentada rue de Rivoli. Até 2024, ônibus urbanos sem motorista deverão estar percorrendo a rua o dia inteiro. Os visitantes olímpicos terão uma visão da cidade pós-automóveis.

Quem observa caminhões descarregando mercadorias sobre faixas de pedestres na Paris de hoje tem dificuldade em acreditar nesse cenário. Paris hoje é uma cidade suja e caótica que tem anos de atraso em relação às cidades mais inovadoras em matéria de transportes, Amsterdã e Copenhague.

Segundo a prefeita, Anne Hidalgo, 6.500 parisienses morrem por ano devido aos efeitos da poluição. Mas isso acontece em grande parte porque a capital francesa foi construída muito antes de existirem automóveis e nunca teve espaço para eles.

Hoje, enquanto os carros particulares começam a desaparecer, as cidades pré-automóveis vão redescobrir sua vocação. Paris, capital do século 19, poderá se tornar a capital do século 21.

A cidade já está implantando iniciativas com vistas a esse futuro: elevou o preço do estacionamento, criou ciclovias e fez planos para até 2020 proibir a circulação de veículos movidos a diesel.

Paris tem tudo para se tornar a primeira metrópole mundial pós-carros. Para começar, a cidade é densa demais para a boa circulação de carros, e, com mais e mais turistas circulando, sua densidade é crescente.

"É preciso maximizar a utilização de cada centímetro de superfície de ruas", diz Ross Douglas, organizador da Autonomy, uma conferência anual sobre mobilidade urbana promovida em Paris. "A primeira coisa que a prefeitura vai querer fazer é reduzir os 150 mil carros estacionados na rua sem fazer nada. Por que você deve poder ocupar 12 m² para se locomover? Por que deve usar um grande motor a diesel para poluir meu ambiente e o de minha família?"

Até 2024, táxis sem motoristas vão funcionar continuamente, quase nunca estacionando entre uma corrida e outra. Os espaços de estacionamento de Paris serão convertidos em ciclovias, terraços de cafés ou playgrounds.

EMPREGOS

A segunda razão por que Paris pode se transformar rapidamente é que os empregos na indústria automotiva francesa vêm diminuindo constantemente desde a década de 1980. Hoje, esse setor é pequeno demais para poder fazer um lobby forte contra o futuro.

Em terceiro lugar, a França tem um presidente de 39 anos de idade e versado em tecnologia. Enquanto seus predecessores gastaram sua energia escorando indústrias moribundas, Emmanuel Macron pretende investir em indústrias novas, como a dos veículos autônomos.

Em quarto lugar, Paris não precisa de automóveis particulares porque já conta com o melhor sistema de transporte público de qualquer cidade internacional, segundo o Instituto de Transportes e Política de Desenvolvimento, sediado em Nova York.

Os turistas de cidades em desenvolvimento e sempre engarrafadas andam no metrô parisiense e se espantam. Missika diz que quase dois terços dos 2,2 milhões de parisienses não possuem carro.

GRANDE PARIS

É verdade que os 10 milhões de habitantes dos subúrbios fora de Paris dependem mais de seus carros. Mas até 2024 a maioria deles já teve ter se libertado dessa dependência.

Quem caminha por praticamente qualquer subúrbio parisiense hoje em dia topa com outdoors dizendo "Estamos preparando o terreno para o metrô". O Grand Paris Express será o maior projeto de transporte público da Europa e vai mudar a vida da população.

O projeto abrange a construção de 68 estações de metrô e de milhares de residências na superfície sobre elas. A Olimpíada em Paris vai garantir que as obras sejam concluídas no prazo previsto.

Ônibus urbanos sem motoristas vão percorrer as avenidas principais. Um deles já está circulando a título experimental em La Défense, o distrito empresarial. A única vez que o ônibus causou um acidente foi quando um motorista humano assumiu a direção e encostou o veículo no tornozelo de um pedestre.

Novas bicicletas elétricas vão permitir que ciclistas suburbanos percorram distâncias duas ou três vezes mais longas que as atuais, facilitando os deslocamentos diários longos entre casa e trabalho. O Boulevard Périphérique —o anel rodoviário de Paris, que hoje separa a cidade dos subúrbios— se tornará obsoleto, prevê Missika. O vice-prefeito espera vê-lo convertido em bulevar urbano arborizado e com cafés.

Até lá, Paris e seus subúrbios já terão se fundido para formar uma Grande Paris. Missika destaca que o Estádio Olímpico e a Vila dos Atletas em 2024 ficarão fora de Paris propriamente dita, em Seine-Saint-Denis, um dos departamentos mais pobres do país —situado a apenas cinco minutos de trem de Paris, mas hoje a um mundo de distância da capital.

Missika reflete: "Para mim, os Jogos Olímpicos vão representar sobretudo a [oportunidade de] construção de uma identidade grande-parisiense".

Em 2024, Paris será a metrópole número um da União Europeia. Perguntei a Missika se ele prevê que o "brexit" beneficie Paris. Ele respondeu que vê Londres e Paris como uma única cidade, "a metrópole". É possível viajar entre elas em menos tempo do que se leva para atravessar Xangai.

De qualquer maneira, ele acrescenta: "Tenho a impressão de que o 'brexit' não vai acontecer, porque os ingleses são pragmáticos. O momento em que dirão 'estávamos errados, vamos recuar' será um pouco humilhante, mas será melhor que concretizar o 'brexit'".

No Festival FT Weekend, há algumas semanas, o arquiteto britânico Richard Rogers me disse: "Paris está ganhando força outra vez".

A cidade ainda não será um paraíso em 2024. Talvez ainda haja soldados com metralhadoras patrulhando ruelas sonolentas, para evitar terroristas. Mas Paris já está começando a olhar para sua vizinha inglesa com simpatia, em lugar de inveja.

Tradução de CLARA ALLAIN


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