"Primeiro você deixa tudo se quebrar. Só depois toma uma atitude." Na plataforma acalorada da linha F sob a rua 4, no último dia 14, a reclamação do usuário de metrô não vem isolada. Em poucos segundos, as pessoas ao meu lado comparam atrasos, e as linhas A, B, D, F, L ou Q batem na cabeça como um alfabeto obsoleto do transporte público.
As férias escolares aliviam o calor subterrâneo de agosto, mas em duas semanas, quando a cidade voltar aos seus cerca de 5,7 milhões de usuários diários nas 472 estações, a crise do metrô de Nova York só deve piorar, expondo mais bastidores da disputa entre a prefeitura e o Estado.
Quem controla a MTA, agência reguladora do transporte público na região metropolitana, é o Estado de Nova York, mas o governador Andrew Cuomo quer dividir custos com a cidade para a manutenção das linhas e a renovação dos carros metroviários, mesmo depois de gastar com projetos não tão urgentes assim. Um deles foi a extensão da linha da Segunda Avenida, que ficou em US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 5,4 bilhões).
O estudo divulgado em junho pelo Independent Budget Office mapeia as reformas urgentes na infraestrutura do metrô e estima o custo em US$ 20 bilhões. Só o túnel que abriga a linha L, deteriorado após o furacão Sandy (2012), ficaria em US$ 477 milhões. Prevista para começar em 2019, a obra deve durar um ano e meio. O fato de o mercado imobiliário em Williamsburg, bairro do Brooklyn onde o L tem parada, já estar desaquecido indica que a expectativa é que os trabalhos durem bem mais que isso.
Ainda à espera do F, ouço que linhas inteiras devem fechar também por contenção de gastos. "O atraso não é de minutos, mas de décadas", diz uma moça adiante.
VERÃO INFERNAL
O estopim foi em abril. Às 7h30, uma pane elétrica geral na rua 53 com a Sétima Avenida, coração de Manhattan, travou diversos trens perto da estação. Em questão de minutos, o efeito dominó paralisou metade da malha metropolitana de 21 linhas, com passageiros presos nos vagões durante horas. Em junho, houve um descarrilamento na linha A no Harlem.
Desdobramentos da crise, como infinitas falhas elétricas, atrasos e desmaios nas plataformas sem ar-condicionado, deram origem ao termo "verão infernal".
Bill de Blasio, prefeito de Nova York, desabafou no programa de rádio "Brian Lehrer Show" em maio: "Sejamos claros, há uma divisão de trabalho. Se você tem problemas com a polícia de Nova York, fale comigo, mas se não gostar de algo que acontece no metrô, fale com o governador. Ele deveria levar a sério sua responsabilidade e ter um plano de ação".
No mês passado, Cuomo, que tem posado em túneis do metrô com capacete de obra ao estilo Dória, deu um ano à Consolidated Edison, companhia de energia que opera na cidade, para identificar e reparar defeitos nas vias metroviárias, sem contar com a inspeção no nível da rua, que corre em paralelo aos mais de mil quilômetros de trilhos subterrâneos.
O atual quadro de penúria pode ser interpretado como um eco dos últimos 40 anos, desde que o governo Reagan limitou impostos para investimentos em infraestrutura pública, apesar de partes do sistema elétrico e da sinalização do metrô datarem da Depressão.
BUNKERS
A terceira edição do Photoville, festival gratuito de fotografia a ser realizado entre 13 e 24 de setembro, promete dar mais colorido à cidade. Os dois temas da mostra são polêmicos: imigração e mudança climática. Produzido pela United Photo Industries, organização sem fins lucrativos do Brooklyn, o evento espalhará pelo menos 55 contêineres de cores fortes, que serão utilizados como espaços expositivos sob a ponte do Brooklyn, além de promover workshops e demonstrações de câmeras.
CALDER E OITICICA
O artista americano Alexander Calder foi três vezes ao Brasil, onde tornou-se amigo de Burle Marx, Rino Levi e Mário Pedrosa, este último considerado mentor do neoconcretismo. É notória a influência de Calder na arte de Oiticica , que morou sete anos em Nova York. A dupla inspira um par de exposições bastante afinadas entre si, ambas em cartaz no Whitney. A de Oiticica vai até 1º/10, enquanto a de Calder termina em 23/10.
LUCRECIA ZAPPI, 45, jornalista e escritora, é autora de "Acre" (Todavia).