Folha de S. Paulo


Com 472 estações, metrô de Nova York entra em crise e gera disputa política

Bebeto Matthews - 21.jun.2017/Associated Press
Trem do metrô se aproxima de plataforma em estação no Brooklyn
Trem do metrô se aproxima de plataforma em estação no Brooklyn

"Primeiro você deixa tudo se quebrar. Só depois toma uma atitude." Na plataforma acalorada da linha F sob a rua 4, no último dia 14, a reclamação do usuário de metrô não vem isolada. Em poucos segundos, as pessoas ao meu lado comparam atrasos, e as linhas A, B, D, F, L ou Q batem na cabeça como um alfabeto obsoleto do transporte público.

As férias escolares aliviam o calor subterrâneo de agosto, mas em duas semanas, quando a cidade voltar aos seus cerca de 5,7 milhões de usuários diários nas 472 estações, a crise do metrô de Nova York só deve piorar, expondo mais bastidores da disputa entre a prefeitura e o Estado.

Quem controla a MTA, agência reguladora do transporte público na região metropolitana, é o Estado de Nova York, mas o governador Andrew Cuomo quer dividir custos com a cidade para a manutenção das linhas e a renovação dos carros metroviários, mesmo depois de gastar com projetos não tão urgentes assim. Um deles foi a extensão da linha da Segunda Avenida, que ficou em US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 5,4 bilhões).

O estudo divulgado em junho pelo Independent Budget Office mapeia as reformas urgentes na infraestrutura do metrô e estima o custo em US$ 20 bilhões. Só o túnel que abriga a linha L, deteriorado após o furacão Sandy (2012), ficaria em US$ 477 milhões. Prevista para começar em 2019, a obra deve durar um ano e meio. O fato de o mercado imobiliário em Williamsburg, bairro do Brooklyn onde o L tem parada, já estar desaquecido indica que a expectativa é que os trabalhos durem bem mais que isso.

Ainda à espera do F, ouço que linhas inteiras devem fechar também por contenção de gastos. "O atraso não é de minutos, mas de décadas", diz uma moça adiante.

VERÃO INFERNAL

O estopim foi em abril. Às 7h30, uma pane elétrica geral na rua 53 com a Sétima Avenida, coração de Manhattan, travou diversos trens perto da estação. Em questão de minutos, o efeito dominó paralisou metade da malha metropolitana de 21 linhas, com passageiros presos nos vagões durante horas. Em junho, houve um descarrilamento na linha A no Harlem.

Desdobramentos da crise, como infinitas falhas elétricas, atrasos e desmaios nas plataformas sem ar-condicionado, deram origem ao termo "verão infernal".

Bill de Blasio, prefeito de Nova York, desabafou no programa de rádio "Brian Lehrer Show" em maio: "Sejamos claros, há uma divisão de trabalho. Se você tem problemas com a polícia de Nova York, fale comigo, mas se não gostar de algo que acontece no metrô, fale com o governador. Ele deveria levar a sério sua responsabilidade e ter um plano de ação".

No mês passado, Cuomo, que tem posado em túneis do metrô com capacete de obra ao estilo Dória, deu um ano à Consolidated Edison, companhia de energia que opera na cidade, para identificar e reparar defeitos nas vias metroviárias, sem contar com a inspeção no nível da rua, que corre em paralelo aos mais de mil quilômetros de trilhos subterrâneos.

O atual quadro de penúria pode ser interpretado como um eco dos últimos 40 anos, desde que o governo Reagan limitou impostos para investimentos em infraestrutura pública, apesar de partes do sistema elétrico e da sinalização do metrô datarem da Depressão.

BUNKERS

A terceira edição do Photoville, festival gratuito de fotografia a ser realizado entre 13 e 24 de setembro, promete dar mais colorido à cidade. Os dois temas da mostra são polêmicos: imigração e mudança climática. Produzido pela United Photo Industries, organização sem fins lucrativos do Brooklyn, o evento espalhará pelo menos 55 contêineres de cores fortes, que serão utilizados como espaços expositivos sob a ponte do Brooklyn, além de promover workshops e demonstrações de câmeras.

CALDER E OITICICA

O artista americano Alexander Calder foi três vezes ao Brasil, onde tornou-se amigo de Burle Marx, Rino Levi e Mário Pedrosa, este último considerado mentor do neoconcretismo. É notória a influência de Calder na arte de Oiticica , que morou sete anos em Nova York. A dupla inspira um par de exposições bastante afinadas entre si, ambas em cartaz no Whitney. A de Oiticica vai até 1º/10, enquanto a de Calder termina em 23/10.

LUCRECIA ZAPPI, 45, jornalista e escritora, é autora de "Acre" (Todavia).


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