Folha de S. Paulo


O cardápio minimalista de Gérard Depardieu: um contrafilé e nada mais

Paris, 2011

Janaina Suaudeau/Arquivo Pessoal
O palacete do ator Gérard Depardieu, em um bairro nobre de Paris
O palacete do ator Gérard Depardieu, em um bairro nobre de Paris

Quando eu tinha acabado de me formar no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris, estava me desentendendo com meu agente. Um amigo disse que podia me apresentar ao Gérard Depardieu, agenciado pela mesma empresa, para batermos um papo.

Acabamos nos encontrando num café do sexto arrondissement (equivalente a um distrito), e Depardieu soube me deixar à vontade muito rápido, a ponto de eu querer dividir algumas das minhas angústias profissionais. A principal dizia respeito ao meu agente, que parecia desconhecer o meu trabalho –e não fazer o menor esforço para mudar isso.

Depardieu disse: "Foda-se seu agente, trace o seu caminho". Sabia que os tempos tinham mudado, salientou; já não era tão fácil conhecer e trabalhar com o diretor favorito. Ponderou, porém, que isso não poderia servir de desculpa para eu deixar de correr atrás do que queria.

Aí ele me perguntou a quantas andava minha carreira naquele momento. Respondi que estava em turnê com "A Tempestade", de Shakespeare, sob a direção de Jo Lavaudant. "Que legal!", ele disse. "Gosto muito do trabalho dele." Em seguida, recitou lindamente versos do Próspero (personagem central da peça).

Pouco depois, ele disse que precisava partir, mas sugeriu que passássemos dali a meia hora em sua casa, que estava em obras e ficava quase na frente do café em que estávamos. Meu amigo e eu esperamos um pouco e seguimos para lá.

Ao chegar, fiquei deslumbrada. Era um lindo "hôtel particulier" (espécie de palacete urbano) do começo do século 19, que ele estava reformando para que se tornasse um hotel butique.

Mas o que mais gostei na visita foi que, quando chegamos, Depardieu estava comendo uma entrecôte (parte nobre do contrafilé) de pelo menos 300g, sem nenhum acompanhamento, nada de arroz, de batata, salada ou verduras. Só um enorme pedaço de carne.

Ele estava sentado numa mesa, numa pequena edícula, ao lado de um peão de obras, que só ria da situação. "Gente, sentem e comam um pedaço de carne comigo." Diante da nossa recusa, ele insistiu, e eu respondi que, assim como meu amigo, realmente não estava com fome, mas agradecia o convite. Fomos embora pouco tempo depois.

Grande Depardieu! Além de um dos artistas que mais admiro, ele se mostrou uma pessoa simples, atenciosa e muito generosa.

Depois, eu soube que aquele "hôtel particulier" não se transformou num hotel butique. Ele está à venda há anos e parece que quase foi doado à União dos Cineastas Russos, quando Depardieu quis deixar a França (devido à nova tributação da renda).

Foi um grande choque para todos os franceses vê-lo com um passaporte russo em mãos e tirando fotos com Putin. Seja como for, ele continua morando em Paris e, aparentemente, no mesmo lugar.

Eu acabei decidindo não trabalhar mais com o meu agente francês. Desde então, seguindo o conselho do grande Depardieu, tenho criado meus próprios projetos e traçado o meu caminho.

JANAINA SUAUDEAU, 33, atriz e diretora, dirige a peça "Término do Amor", em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo, até 30/8.


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