Folha de S. Paulo


Leia poema inédito de Antonio Risério

SOBRE O TEXTO Escrito especialmente para o caderno, este poema insere-se na polêmica sobre o uso do termo "mulata" em marchinhas. Contrapondo-se aos que defendem o banimento do vocábulo, os versos saúdam a mestiçagem e sua importância na história do país.

*

No trato das clareiras clandestinas
alto e bom som se escutava:
e o mulato? você viu o mulato?

Assim perguntavam por Marighella
e ele, mescla de flecha e de folia, sorria:
"sou um mulato, um mulato da Bahia".

E então se lembrava satisfeito
do jeito de Maria Rita, a mãe malê,
filha do massapê do Recôncavo
fazendo confeito, caruru de preceito.

E então se lembrava da Itália
da aura anarquista do velho Augusto
mecânico do martelo de látex
no serviço de chaparia, na forja do justo.

Casa do feitiço, casa do viço:
do verso de Dante ao vero dendê.
Ilê da mistura do isso e aquilo.
Cabana encantada de um país mestiço.

Corpo fechado num peji do Paraguaçu
com sua gargalhada um dia ele seguiu
coração alumiando feito faca de axogum
rumo aos anéis de silêncio do orum.

E agora querem que ele negue ou apague
Das ondas e luzes do mar da memória
a figura do pai ou a figura da mãe
de um dos dois que o fizeram existir?
Não, este crime não irá consumar.
Este crime não irá consentir.

Derlon

ANTONIO RISÉRIO, 63, antropólogo, poeta e ensaísta, é autor de "A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros" (ed. 34).

DERLON, 31, é artista plástico.


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