Folha de S. Paulo


Notícias falsas existem desde o século 6, afirma historiador Robert Darnton

Para historiadores, o que é visto como surpresa no mundo contemporâneo costuma ter um ar de déjà-vu. "Temos esse hábito irritante de dizer ao mundo que o que as pessoas veem hoje como novidade sempre existiu", brinca o historiador americano Robert Darnton.

Com as notícias falsas não seria diferente. Estudioso da França do século 18, Darnton é autor de "O Diabo na Água Benta" (Companhia das Letras), livro sobre os libelos produzidos na França e na Inglaterra naquele período –publicações que mesclavam injúria, calúnia, difamação e sexo.

Jorge Araujo 29.mai.2012/Folhapress
ORG XMIT: XXXX Sao Paulo SP 29 05 2012 Robert Darnton - Historiador da cultura e professor na universidade Harvard, Darnton é um pesquisador do Iluminismo europeu, sobretudo dos acontecimentos do século 18 na França e da história do livro e da Enciclopédia. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão
O historiador americano Robert Darnton no auditório da Folha em 2012

Mas os precursores do sensacionalismo e das mentiras hoje disseminados por redes sociais vêm de muito antes, relata o historiador, em entrevista por telefone de Paris, onde costuma passar parte de seu tempo.

Remontam pelo menos à Idade Antiga, mais precisamente ao século 6, conta Darnton, 77, professor emérito da Universidade Harvard (de cuja biblioteca já foi diretor), fundador e membro do Conselho da DPLA (Biblioteca Pública Digital da América, na sigla em inglês).

*

Folha - Como podemos traçar um paralelo entre o atual fenômeno das notícias falsas e os seus similares no passado?

Robert Darnton - Os historiadores temos esse hábito irritante de dizer ao mundo que o que as pessoas veem hoje como novidade sempre existiram...

E as notícias falsas sempre existiram. Procópio foi um historiador bizantino do século 6 famoso por escrever a história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado "Anekdota", e ali ele espalhou "fake news", arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano e de outros. Era bem similar ao que aconteceu na campanha eleitoral americana.

A meu ver o principal difusor de fake news, ou "semi fake news" (porque as notícias continham um pouquinho de verdade), foi Pietro Aretino (1492-1556), um grande jornalista e aventureiro do início do século 16. Em 1522, quando sua carreira começou, ele escrevia poemas curtos, sonetos, e os grudava na estátua de um personagem chamado Pasquino perto da Piazza Navona, em Roma. Ele difamava a cada dia um dos cardeais candidatos a virar papa. E os poemas eram hilários. Ele caçoava de um que era muito tímido dizendo que era o menino da mamãe, dizia que outros tinham amantes etc.

Esses poemas ficaram conhecidos como "pasquinadas". Eram fake news em forma de poesia atacando figuras públicas, fizeram grande sucesso, e Aretino os usou pra chantagear pessoas, papas, figuras do império romano etc que lhe pagavam pra que ele não publicasse essa espécie de tuíte ancestral.

Aí eu pularia para o meu próprio período de estudos, o século 18, quando havia gente que espalhava fake news, às vezes por dinheiro, noutras por esporte.

Na Londres de 1770 os chamados "homem-parágrafo" recolhiam fofocas e as redigiam em um único parágrafo em pedacinhos de papel e vendiam pra impressores/editores, que as imprimia em forma de pequenas reportagens muitas vezes difamatórias.

Acho que essas histórias eram muito mais escandalosas do que as de hoje.

Atuavam também em Paris, de forma mais subterrânea, porque havia censura à imprensa.

Então você tinha esse tipo de fake news –eram como tuítes ou posts de Facebook– circulando por toda a parte em Paris e em Londres às vésperas da Revolução Francesa e em boa parte do século 18.

Mas acha que as fake news hoje são um grande problema –ou há um barulho desmedido?

Acho realmente que sem fake news, redes sociais e a nova mídia, Trump não teria sido eleito. Notícias inventadas e tuítes de Trump e de seus seguidores circularam pelo país e tiveram efeito maior que mídia séria, porque o público acredita nessas coisas.

Como isso pode ser minimizado?

Que boa pergunta... Não tenho resposta. Oponho-me à censura e sou contra ideia de criar um órgão de censores para calar sites de fake news. Então como se para isso? Honestamente, não sei.

Talvez os leitores de fake news com o tempo passem a ver que aquilo é mentira, acho que a médio ou longo prazo se acaba por si, se auto-corrige, espero. Acho que, se melhorar a política, isso melhora também.

Mas não sou um bom profeta, já tenho problemas demais com o passado.

FABIO VICTOR, 44, é repórter especial da Folha.


Endereço da página:

Links no texto: