Folha de S. Paulo


O filho assistente do pai fotógrafo

Ouro Preto, 2001

As fotos aéreas para "Patrimônio Construído" foram um dos primeiros trabalhos que fiz com meu pai, o fotógrafo Cristiano Mascaro. Em boa parte das minhas férias escolares, eu o acompanhava em suas viagens de trabalho Brasil afora. Eu o acompanhei nas viagens que fez para produzir as fotos da primeira edição do livro, em 2001.

Para quem perguntava, ele dizia que eu era seu assistente, mas imagino que o que mais valia para ele era ter uma companhia (algo raro na vida itinerante de fotógrafo) e poder proporcionar a mim a vivência e as emoções condensadas em poucos dias que as viagens transmitem ao viajante.

Acervo pessoal
Cristiano e Pedro Mascaro no Recife em 2001
Cristiano e Pedro Mascaro no Recife em 2001

Estive com ele quando fotografou todos os edifícios das cidades mineiras que estão no livro. Em certa parada para fotografar um dos sete monumentos de Ouro Preto, repousei a mochila de equipamento em uma mureta. Ao pegá-la de volta, não me dei conta de que estava aberta, uma lente despencou da mochila, caiu na rua de paralelepípedos e rolou ladeira abaixo. Se eu fosse de fato seu assistente, teria naquele momento adiantado minha volta a São Paulo.

Naquela época, já estava decido: seria engenheiro. A mania que eu tinha de desmontar parafernálias confirmava minha vocação. Minhas duas irmãs já haviam decidido seguir os passos de nossos pais e estudaram arquitetura. A mais velha, assim como minha mãe, se tornou estilista.

O fato de eu gostar de fotografar e estar com a câmera do celular sempre à mão em busca de imagens, para mim, me deixava suficientemente ligado pela conexão artística à minha família, e minha carreira na área técnica em uma fábrica de lâmpadas seguia como deveria.

No entanto, ao longo dos anos da vida adulta, meu interesse por fotografia cresceu e a atividade subiu na lista de prioridades. Depois de oito anos trabalhando no meio corporativo, e de algumas cervejas com um amigo, em 2015, meu interesse pelos drones surgiu. Incrivelmente entusiasmado, abandonei meu trabalho e passei a trabalhar como autônomo.

Por tabela, o que eu jamais imaginara estava acontecendo: estava me tornando fotógrafo. Foi então que surgiu a oportunidade de trabalhar em companhia de meu pai realizando as fotos aéreas de dez edifícios que seriam incorporados à segunda edição de "Patrimônio Construído".

Frequentava muitos dos lugares que fotografei para o livro, como o Masp e o parque do Ibirapuera. Vê-los desta vez do alto foi inusitado e surpreendente. Outro local incorporado ao livro foi o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Morais, conhecido como Pedregulho, no Rio de Janeiro, edifício particularmente interessante de ser fotografado com o drone. Sua forma delgada e tortuosa é revelada de cima. Anexos ao conjunto residencial há uma escola e um ginásio de esportes.

Em nossa recente viagem ao Rio, quando chegamos ao complexo para fotografá-lo, a estratégia era ter acesso pela escola. De lá, meu pai sairia para suas andanças, fazendo as fotos no chão, e eu decolaria o drone da quadra.

À nossa espera estava a entusiasmada diretora da escola primária. Na porta da escola, ela nos comunicou que havia organizado uma aula sobre drones, e me pediu que eu falasse para os alunos. Muitos daquela escola do bairro de São Cristóvão sequer imaginavam que tamanho e forma tinha um drone.

Quando a diretora advertiu que a aula começaria quando todos estivessem sentados lado a lado na mureta da quadra, uma linha caprichosamente organizada de alunos se formou rapidamente. Transmitir aquelas informações hipnotizantes, até então desconhecidas pelos alunos, e presenciá-los eufóricos com aquele objeto que voava, e que de fato decolara diante dos seus olhos, foi especial.

O Patrimônio Construído
Cristiano Mascaro
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Na mesma viagem ao Rio, em uma parada improvisada de carro na entrada de um posto de combustível na avenida Beira Mar, quando buscávamos o melhor ângulo do parque do Flamengo –outra obra incluída na reedição do livro–, eu e meu pai nos abraçamos.

Permanecemos abraçados alguns instantes atrás do porta-malas aberto, não me lembro de termos falado alguma coisa, mas certamente um filme, como os das câmeras analógicas da época que eu era seu pseudoassistente, também passou pela sua cabeça. Estávamos trabalhando juntos como nas minhas férias da adolescência.

Nota: "Patrimônio Construído" (Capivara) ganhou nova edição, com 574 fotos e acréscimo de dez novos edifícios, fotografados com drones por Pedro Mascaro.

PEDRO MASCARO, 35, é fotógrafo.


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