Folha de S. Paulo


A cena dos horrores e os zumbis de La Mancha

Como se não bastassem o desemprego beirando os 20% e a paralisia política, rompida apenas no fim de outubro após dez meses de impasse, a Espanha tem agora mais razões para se assustar.

Foi inaugurada recentemente em Madri a primeira sala de teatro do país dedicada exclusivamente ao terror. A Caixa do Terror foi financiada coletivamente e exibe nestas semanas a peça "A Noite dos Vampiros", espetáculo interativo em que a plateia é convidada a deitar dentro de um caixão.

Os ingressos para levar sustos custam em torno de R$ 50.

Outra atração da casa é a montagem "A Criatura", que insta o público a decifrar um enigma para poder escapar da sala antes de ser devorado por um monstro.

Há também por lá encenações voltadas ao público infantil. A sala de 200 m² pode abrigar um público de 50 espectadores –já cativos, segundo disse à imprensa Raúl de Tomás, criador do projeto e entusiasta do gênero dos sustos.

Quem nos últimos tempos precisou de ainda mais horrores, nem que fosse para escapar daqueles da vida cotidiana (uma família brasileira foi recentemente esquartejada na Espanha, por exemplo), pôde participar também na capital espanhola de um festival dedicado ao cinema de terror e fantasia, com 17 títulos projetados.

PÂNICO POLÍTICO

Mas o maior sobressalto das últimas semanas em Madri foi a eleição de Donald Trump. Não precisou de efeitos especiais ou de recursos sonoros –o que assombrou os espanhóis foi a campanha do republicano, em que ele deu sinais de ter intenções de se afastar da Otan (aliança militar ocidental) e de se aproximar da rival Rússia.

Também são agora menores as perspectivas de que o acordo comercial entre os EUA e a Europa, chamado TTIP, seja assinado ao longo dos próximos anos. Reduzem-se, ainda, as chances de empresas europeias investirem no Irã, caso as sanções econômicas não sejam afinal retiradas.

A extrema-direita tem crescido em países como a França, a Alemanha e a Áustria, mas por ora desvia da Espanha. O governo do premiê Mariano Rajoy, do Partido Popular, é de centro-direita.

O país, por outro lado, vive um populismo de esquerda, materializado no recém-surgido partido Podemos. A sigla tradicional de esquerda PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) foi recentemente vítima de um massacre eleitoral e registrou seus piores resultados nas urnas.

ZUMBI DE LA MANCHA

O Halloween também foi comemorado de uma maneira bastante espanhola em Alcalá de Henares, nas imediações de Madri (35 km ao nordeste). A cidade é famosa por ser o local de nascimento de Miguel de Cervantes (1547-1616), autor do clássico "Dom Quixote".

A obra esteve no centro das celebrações do Dia dos Mortos, em que houve também uma marcha de zumbis. Participantes puderam baixar um aplicativo interativo para enfrentar os inimigos de Cervantes, no ano em que a Espanha celebrou os 400 anos de sua morte.

O aplicativo para celular era gratuito e pedia que o público localizasse diferentes itens na porção histórica da cidade, interagindo com atores para salvar o legado de Cervantes de uma horda de horrendos demônios. Milhares de pessoas participaram do evento.

METAPINTURA

O cavaleiro Dom Quixote é também um dos protagonistas de um evento bem menos macabro em Madri. A triste figura criada por Cervantes surge em destaque de uma nova exposição no Prado, o principal museu da Espanha: a mostra "Metapintura - Uma Viagem à Ideia da Arte".

São 137 obras, das quais 115 fazem parte do acervo do Prado, em que a pintura discute a si mesma, assim como Cervantes pôs em questão, em sua obra, a própria literatura. Além de Quixote, o eixo da mostra é formado pelo quadro "As Fiandeiras", assinado por Diego Velázquez (1599-1660). Essa pintura faz referências a obras de Ticiano e Rubens (que também comparecem à exposição).

Outro trabalho incontornável é o quadro "Fugindo da Crítica", de Pere Borrell (1835-1910), em que um menino parece sair de dentro da moldura. A mostra pode ser visitada até 19/2.

DIOGO BERCITO, 28, é correspondente da Folha em Madri.


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