Folha de S. Paulo


Deficitários e persistentes, donos de livraria sobrevivem em Buenos Aires

Os livros da cidade com mais livrarias por habitantes do mundo (eram 25 para cada 100 mil pessoas segundo os dados mais atualizados, de 2013) não têm tantos leitores ávidos quanto se imagina.

A teoria é de Pablo Braun, 40, mecenas da literatura argentina que tenta fazer com que seus projetos sejam sustentáveis financeiramente para que tenham continuidade. Braun é dono de uma das livrarias mais charmosas de Buenos Aires, a Eterna Cadencia, localizada no bairro nobre de Palermo, e de uma editora homônima com 150 livros publicados (incluindo contos de Machado de Assis). Ainda preside uma fundação que realiza neste mês encontros literários na Argentina e no Uruguai.

Ele acha que os leitores de Buenos Aires são poucos, mas de qualidade. Se a cidade acabou pairando no topo do ranking das que têm mais livrarias, isso se deve também ao romantismo dos donos dos pequenos estabelecimentos, diz.

Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires/Divulgação
Biblioteca Nacional da Argentina, em Buenos Aires
Biblioteca Nacional da Argentina, em Buenos Aires

Segundo o empresário, os proprietários das livrarias mal pagam suas contas com o que vendem, mas mesmo assim persistem.

Na área editorial, a situação não é diferente. As empresas independentes relutam em permanecer abertas e sofrem com o governo do presidente Mauricio Macri, que promoveu uma reforma econômica que resultou numa inflação de 30% nos sete primeiros meses deste ano e numa redução do poder de compra.

Macri também acabou com as travas para importação de livros que haviam sido estabelecidas por sua antecessora, Cristina Kirchner (2007-15). O sistema kirchnerista reduzia as opções, mas facilitava o desenvolvimento das editoras independentes, pois diminuía a concorrência no mercado interno.

ENCONTROS PORTENHOS

Pablo Braun trará para Buenos Aires o escocês Irvine Welsh, autor do livro "Trainspotting", que esteve no Brasil para a edição mais recente da Festa Literária Internacional de Paraty, em julho.

Welsh vai participar do Filba (Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires), que acontece de 28/9 a 2/10. O mexicano Mario Bellatin e o brasileiro Bernardo Carvalho também estão entre os 20 convidados internacionais.

Antes de passar pela capital argentina, Welsh e os outros autores estarão em Montevidéu, entre 23 e 26 de setembro, na terceira edição do evento realizada na cidade. Santiago, que já recebeu um braço do festival em três ocasiões, ficou de fora após a desistência do sócio chileno do projeto.

O Filba nasceu por meio de uma parceria de Braun com sua amiga Soledad Costantini –filha de Eduardo Costantini, empresário e dono do Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).

Soledad é responsável pela área de literatura do museu e havia sido convidada por uma terceira entidade para realizar o evento. Essa entidade acabou desistindo, mas Braun e Soledad levaram o projeto adiante.

Diferentemente da Feira do Livro de Buenos Aires, o Filba é menor, focado nos autores e em suas ideias (não nas obras em si e na venda de exemplares) e tem uma curadoria que procura interligar as conversas dos escritores –neste ano, o tema será "corpo presente".

TESOUROS

Mapas feitos a mão no século 19 e alguns do século 20, que indicam quem eram os proprietários dos terrenos da cidade de Buenos Aires, estão guardados na Biblioteca Nacional da Argentina em um espaço ao lado da Sala do Tesouro. Nessa última, ficam os livros antigos e alguns manuscritos originais, como o diário em que Julio Cortázar registrou o processo de escrita de "O Jogo da Amarelinha".

Os mapas podem ser vistos apenas neste mês, às 14h30 das terças, no projeto Conociendo la Biblioteca. A Sala do Tesouro deverá ter um programa exclusivo semelhante nos próximos meses. Por enquanto, é possível conhecê-la de forma menos detalhada, em uma visita guiada.

APOLÍTICA

Desde o fim de junho, a direção da biblioteca está nas mãos do escritor Alberto Manguel, 68, que prometeu banir políticas partidárias do local. Sob o kirchnerismo, a biblioteca abrigara o Carta Abierta, uma organização de intelectuais apoiadores de Cristina Kirchner.

Devido a sua postura em relação à política e à demissão de cerca de 200 funcionários (parte foi reincorporada), Manguel começou sua gestão em meio a críticas.

LUCIANA DYNIEWICZ, 31, é correspondente da Folha em Buenos Aires.


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