Folha de S. Paulo


A volta dos jornais no Rio olímpico

Eduardo Knapp - 6.ago.16/Folhapress
Boulevard Olímpico e o VLT no Rio
Boulevard Olímpico e o VLT no Rio

O jornaleiro chegou para trabalhar, como fazia há mais de 30 anos, e cadê a banca? Havia sumido. O espaço na calçada, esquina da avenida Rio Branco com a rua Acre, estava vazio, e no meio dele o homem, perplexo, de braços abertos, dando pulos de indignação.

Outras 25 bancas tiveram de ser removidas no lado ímpar da avenida. O culpado foi o VLT, cuja circulação exigiu a construção de paradas e travessias, além de melhor visibilidade para o condutor.

É o fim de uma tradição na cidade que ninguém melhor que Helito Fonseca, o Tolito, representou: em sua banca, na esquina da rua Sete de Setembro, tremulava sempre, com sol ou chuva, uma bandeira do Botafogo. Ali, entre as décadas de 1950 e 1970, funcionou um ponto nervoso do Centro, com debates populares sobre futebol e política. Em tempos olímpicos, iria ferver.

Como ferveu Copacabana, a Babel. E o Boulevard Olímpico, a mais visível transformação urbana trazida pelos Jogos. Antes uma zona fantasma, escondida pelo elevado da Perimetral, transformou-se num caos de felicidade, recebendo cerca de 80 mil pessoas por dia.

O curioso é que, mesmo com a redução dos postos de venda, nunca se leu tanto jornal no Rio. Ao menos é esta a impressão de quem caminha em outro point: o novo Boulevard da Rio Branco. Os bancos estão ocupados por adoráveis desocupados folheando edições de papel! Às vezes com data de ontem ou da semana passada, pouco importa.

É um povo estranho e gutenberguiano, que insiste em viver na cidade do bonde futurista, mas tem saudade do "Diário Carioca", "Diário da Noite", "Diário de Notícias", "Correio da Manhã", "A Noite", "O Jornal", "Jornal dos Sports", "Jornal do Brasil", "Tribuna da Imprensa", "Última Hora".

SINATRA DE SENISE

Por que ainda regravar "standards" de Frank Sinatra como "Night and Day" e "My Way"? Porque é Sinatra. O cantor carioca João Senise, se não tem aquela voz, ao menos aprendeu com A Voz a dizer as letras como se entendesse direitinho o que elas contam –o que não é pouca coisa no cenário musical de hoje.

Recém-lançado, o álbum "Celebrando Sinatra ao Vivo" [Fina Flor, R$ 27,90] foi gravado na Sala Cecília Meireles no fim de 2015, quando se comemorava o centenário de nascimento de Francis Albert. Os arranjos inéditos do pianista Gilson Peranzetta para músicas tão conhecidas confirmam o qualidade do disco. Não deixe de ouvir o "flugelhorn", ou fliscorne, de José Arimatea na ótima interpretação de Senise em "Strangers in the Night".

SEGUNDA DO SAMBA

Em maio de 2005 rolou o primeiro Samba do Trabalhador, no Renascença, clube do Andaraí. "Havia um grupo tocando e cantando, algumas pessoas espalhadas pelo quintal, o futebol de salão comendo solto na quadra alugada, aquele ranger dos tênis me dando saudade da minha fulminante canhota", relembra Aldir Blanc na apresentação do livro "Segunda-Feira: a História do Samba do Trabalhador" [Sonora, 288 págs., R$ 34,90].

Nele, o jornalista Daniel Brunet narra os 11 anos que fizeram a roda comandada pelo compositor Moacyr Luz se transformar em programa obrigatório de quem sempre arruma um tempo, mesmo que numa escapada do trabalho, para cantar samba. Contrariando as expectativas, o Rena lota, os banheiros não dão conta de tanta gente, e o pagode de mesa já rendeu três CDs e DVDs. Os gringos olímpicos de todos os matizes adoraram.

Além da trajetória da festa, o trabalho de Brunet faz o mapeamento das suas personagens. São cem verbetes, com minibiografias de músicos, cantores e compositores, do cavaquinista Abel Luiz ao percussionista Zero. Nomes que não aparecem para o grande público e que ganham um registro definitivo.

No mais, amanhã, como em todas as segundas, tem Samba do Trabalhador. Pode ir na fé, atleta.

A LEITURA EM PÉ

Outro anacronismo jornaleiro: o hábito de se postar de pé ao lado das bancas, levantando o pescoço para ler as manchetes e principais notícias. Ao contrário dos comentadores da internet, esse leitor não espuma de ódio nem de raiva. No máximo, murmura e fala sozinho, frases quase inaudíveis: "Quantas medalhas o Brasil ganhou?".

ALVARO COSTA E SILVA, o Marechal, 53, é autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro" (Casarão do Verbo).


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