Folha de S. Paulo


Pastelão de Trump derrotou 16 rivais, agora precisa conquistar o meio-oeste

Antes que alguém pudesse levá-lo a sério, Donald Trump descarrilhou 16 rivais com seu nacionalismo xenófobo e obteve o maior número de votos de delegados (representantes do partido). Semana passada, durante a convenção republicana –que estreou com a mulher do candidato, Melania Trump, sendo acusada de plagiar discurso da atual primeira-dama do país, Michelle Obama–, o magnata nova-iorquino do setor imobiliário foi nomeado candidato do partido para disputar a fase final à presidência, em novembro.

Depois de transformar os debates republicanos em um pastelão irresistível ao apontar como seu vice Mike Pence, governador do Estado de Indiana desde 2013, Trump tenta ser conciliador com o partido e busca melhor trânsito no meio-oeste americano, região sem orientação partidária definida.

Chip Somodevilla/GettyImages/AFP
Convenção republicana em Cleveland anuncia candidatura oficial de Donald Trump
Convenção republicana em Cleveland, onde foi anunciada a candidatura oficial de Donald Trump

Pesquisa do Pew de 7/7, aponta a democrata neoliberal Hillary Clinton com 51% das intenções de votos, contra 42% de Trump. O Pew revela que o nível de satisfação na escolha dos candidatos é o mais baixo em duas décadas. Clinton, que já foi primeira-dama, senadora por Nova York e secretária de Estado (cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores), é considerada arrogante e não inspira mudanças. Ao empresário nova-iorquino, além de diplomacia, falta experiência política.

Pence, que se define como "religioso, conservador e republicano" e já foi deputado federal por 12 anos, parece ter os dois atributos, e discorda das bandeiras da candidatura de Trump: fechamento de fronteiras do país e frear acordos de livre-comércio. Não é mistério que o "protecionismo" de Trump está relacionado ao apelo nostálgico da sua campanha, fundamentado nos "bons valores americanos".

Com o slogan "Make America Great Again" ("vamos tornar os EUA grandes de novo"), "conquista" o direito de atacar qualquer ameaça à identidade ianque, o que tem agradado a uma supremacia branca norte-americana, pobre e sem estudos.

NO SILÊNCIO

Na captura desse passado, não é por acaso que Trump escolhe expressões pouco claras, mas com certo verniz histórico, como "maioria silenciosa". O termo vem de um discurso de 1969 pró-guerra do Vietnã, do então presidente Richard Nixon, que argumentava que uma minoria pacifista protestando nas ruas não poderia se impor sobre a "maioria silenciosa".

Na leitura de Trump, a maioria silenciosa é a que não diz o que pensa, porque seria politicamente incorreto. O candidato deixa claro que ousa verbalizar o que pensa porque não teme ninguém.

NADA NOS DIVIDE

À sombra da chacina que matou 49 pessoas na boate Pulse em Orlando na madrugada de 12/6, Trump defendeu que a tragédia teria sido menor se as vítimas estivessem armadas. Ainda em nome da segurança nacional, aproveitou para sugerir que o movimento LGBT apoiaria o fichamento dos muçulmanos nos EUA. Em resposta, o Act Up, grupo de homossexuais militantes que surgiu em 1987 na luta contra a Aids, organizou protesto dias depois, na frente da Trump Tower, residência do candidato, em Nova York.

Ativistas LGBT, latinos e muçulmanos gritavam que nada os dividiria. Nesse mesmo dia, 21/6, Trump se reunia com mais de 400 líderes evangélicos, muitos deles antigays e islamofóbicos.

O Act Up, em nota à imprensa, cita relatório do FBI que indica que a orientação sexual foi motivo de 20% de crimes de ódio em 2013. Em sua maioria, foram cometidos por brancos extremistas ou "americanos comuns", e não por fanáticos islamistas, como quer Trump.

CERCO

Trump ainda quer a construção de um muro na fronteira sul do país para prevenir a entrada de mexicanos ilegais ou com histórico de crimes. A postura do candidato é a antítese da de um país que formado com forte contribuição de imigrantes, sem falar na diversidade que torna Nova York, o berço de Trump, única. Vale lembrar que em 2014 a população imigrante, segundo o Instituto de Políticas Migratórias, ultrapassava os 42,4 milhões, representando 13,3% de um total 318,9 milhões de pessoas.

Até novembro, talvez Trump queira se espelhar em outra frase de Nixon: "Lembra sempre que outros podem te odiar, mas os que te odeiam não vencem a menos que você os odeie de volta. E então você se destrói". Trump, acalorado em seu entusiasmo, concluiria como sempre: "It's going to be huge!" (vai ser demais). "Yuge".

LUCRECIA ZAPPI, 44, jornalista e escritora, é autora de "Onça Preta" (Benvirá).


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