Folha de S. Paulo


Sequeira no lugar certo em Lisboa

Os portugueses compraram, em pouco mais de seis meses e sem a intervenção do Estado, os 10 milhões de pixels da obra "Adoração dos Magos" (1828), de Domingos Sequeira (1768-1837). Na Noite dos Museus, que se comemora a 21 de maio, a pintura, que estava com particulares e agora foi adquirida pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, vai voltar a ser exposta depois de uma intervenção de conservação e restauro.

É nessa data que o museu português agradecerá a todos os que contribuíram para a campanha de angariação de fundos "Vamos Pôr o Sequeira no Lugar Certo" que foi lançada em outubro e conseguiu, em 27 de abril, três dias antes do fim, ultrapassar os 600 mil euros necessários para a compra do quadro: uma festa organizada pela famosa discoteca Lux-Frágil está a ser preparada.

Mas só em julho é que a "Adoração dos Magos" ficará exposta permanentemente. Nesta campanha inédita em Portugal participaram cidadãos (que podiam doar a partir de 60 centavos) e empresas (quem mais doou foi a Fundação Aga Khan, 200 mil euros, e a Fundação da Casa de Bragança, 35 mil euros). Com o dinheiro que recebeu a mais, o MNAA vai comprar uma outra obra para seu acervo.

A CULPA FOI DO FACEBOOK

O ex-ministro da Cultura, João Soares, teve um papel importante na compra desse quadro, criando uma "task force" para mobilizar empresas. Mas já não era ministro no dia em que a pintura foi adquirida. Semanas antes tinha-se demitido depois de uma série de peripécias que começaram a 8 de abril, quando publicou em sua página no Facebook uma reação a um artigo de opinião publicado no jornal "Público" pelo crítico Augusto M. Seabra em que criticava os seus primeiros quatro meses no cargo.

Nele, prometia estaladas a dois colunistas desse jornal. "Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir, não me cruzei com a personagem, Augusto M. Seabra, ao longo de todos estes anos. Mas continuo a esperar ter essa sorte. Lá chegará o dia."

Mais à frente acrescentava sobre o historiador Vasco Pulido Valente, que também já o havia criticado: "Estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente, para as salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também".

Nas horas seguintes, o ministro não soube reagir à polêmica e ainda a agravou com mais declarações, obrigando o primeiro-ministro, António Costa, a dizer que já tinha pedido desculpa aos visados e a lembrar que os "membros do governo nem à mesa do café se podem esquecer que são membros do governo". No dia seguinte, João Soares pediu demissão (por não aceitar "prescindir do direito à expressão da opinião e palavra"), e o primeiro-ministro aceitou-a.

MINISTRO POETA E DIPLOMATA

Dias depois, foi nomeado um novo ministro da Cultura: o embaixador e poeta Luís Filipe Castro Mendes, até aí representante de Portugal junto do Conselho da Europa em Estrasburgo.

Ele é um dos autores incluídos na edição "100 Livros Portugueses do Século 20", do Instituto Camões. São cem obras selecionadas pelo poeta e crítico literário Fernando Pinto do Amaral que, do novo ministro da Cultura, escolheu o livro "A Ilha dos Mortos" (1991).

Em meados dos anos 1990, Luís Filipe Castro Mendes foi cônsul-geral de Portugal no Rio de Janeiro e é unânime que transformou o Palácio de São Clemente num centro de "aproximação da lusofonia". O novo ministro também tem conta no Facebook, mas não consta que por lá ande à solta.

PAP'AÇORDA NA RIBEIRA

Não houve só mudanças no ministério. O emblemático restaurante Pap'açorda, que nos anos 80 marcou para sempre a vida do Bairro Alto, ao lado do bar Frágil, mudou de sítio. Fechou suas portas naquele bairro da movida lisboeta de outra época e abriu o noutra zona da cidade, a Ribeira, onde parece ter ido parar a movida de hoje. Instalou-se no primeiro andar do Mercado da Ribeira, ao pé do Cais do Sodré. É o único restaurante no primeiro piso, tem vista para o jardim e mais espaço do que antes.

Mas não se apoquentem; os donos Fernando Fernandes e José Miranda garantem que os pastéis de massa tenra e a inimitável mousse de chocolate se mantêm tal e qual.

Passaram 35 anos desde a abertura do emblemático restaurante no Bairro Alto, Lisboa mudou e nós com ela. Mas se os donos do Pap'açorda não têm nostalgia nenhuma e vão em frente sem olhar para trás, quem somos nós para tê-la?

ISABEL COUTINHO, 49, é repórter do jornal português "Público".


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