Folha de S. Paulo


Chacrete comunista

Belo Horizonte, 1972

Ano de 1972. Plena ditadura. Eu estudava ciências sociais na Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) da Universidade Federal de Minas Gerais e fazia parte da turma do Diretório Central dos Estudantes, o DCE da faculdade.

Naquele momento, o que mais interessava aos engajados politicamente era a comunicação de massa. E o maior comunicador de massa da época era o Chacrinha.

Resolveram convidá-lo para uma palestra sobre o assunto.

Ele veio lindo. De terno bege escuro, elegante, com uma gravata amarela de bolinhas vermelhas. Lindo. Só o sorriso e os olhos lembravam o querido Chacrinha espalhafatoso da Globo.

O local escolhido para o encontro foi o centro acadêmico da Fafich, lotado de estudantes de todos os cursos e professores de todas as disciplinas.

Ele subiu ao palco aplaudidíssimo, ovacionado por todos.

Então, começamos a conversa. Perguntas longas, com termos complicados, palavras fora do alcance das pessoas comuns, e ele ouvindo tudo. Calado.

De repente ele disse:

"Eu não faço comunicação assim, não. Eu faço comunicação é assim, quer ver? Cadê os homens? Cadê as mulheres? Os homens cantam comigo: 'Eu queria ser um bicho pra comer você todinha!'. As mulheres cantam: 'Come eu, painho, come eu, painho!'"

Daí em diante, a conversa virou o programa do Chacrinha. Nunca assisti a palestra melhor.

Depois, fomos beber num bar maravilhoso no bairro Santo Antônio, zona sul de Belo Horizonte, que se chamava Veia Poética. O bar ficava num quintal de uma casa.

Foi todo mundo para lá. Desce bebida, desce torresmo, linguiça, cachaça. Uma orgia deliciosa.

Quando eu saía de perto do Chacrinha, ele mandava a produção me buscar.

Aí, no meio da bebedeira, ele me perguntou se eu queria ser chacrete. "Não Chacrinha, eu sou gorda", respondi.

Eugenio Sávio/Acervo Pessoal
A atriz Teuda Bara na performance
A atriz Teuda Bara na performance "Queremos Praia, UAI", na av. Afonso Pena, em BH, em 1977, inspirada no encontro com Chacrinha e nas chacretes

E ele: "Minha filha, eu faço programa para a classe C. Eles gostam de mulher peituda, coxuda".

Eu respondi: "Não dá Chacrinha, estou estudando. Sou comunista demais para ser chacrete".

Terminamos a noite bêbados, conversando e rindo.

De repente, ele se lembrou do filho e começou a chorar.

E dizia: "Meu filho lindo, casado com a Wanderléa..."

Terminamos a noite abraçados, nos consolando.

Ele, muito fino, mandou a produção me levar em casa.

No dia seguinte, quando fui pegar minha pasta, ele tinha colocado um prato de linguiça dentro dela. Engordurou tudo, tive de jogar a pasta fora.

Foi uma noite inesquecível.

Sempre que conto que conheci o Chacrinha, as pessoas me perguntam: "E ele, não te convidou para dançar no programa dele?"

Eu respondo: "Sim! Mas eu era comunista demais para ser chacrete!".

E essa resposta virou o título da minha biografia. Mas isso é outra história.

TEUDA BARA, 74, é atriz e foi uma das fundadoras do grupo Galpão.


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