Folha de S. Paulo


O motoqueiro selvagem de Skid Row

Uma bicicleta laranja brilhante, de selim de pelúcia e guidão dourado, circula com o som ligado pelas ruas de Skid Row, bairro com a maior concentração de sem-teto de Los Angeles. É o artista e ativista General Dogon, que cumprimenta os que saem das tendas montadas nas calçadas. Ele está à procura de policiais e, pelo alto-falante da magrela, orienta a população de rua sobre seus direitos.

A bicicleta, na verdade, está mais para motocicleta. Dogon a comprou na internet e passou meses na transformação, adicionando também um motor de carro de corrida. A ideia era montar um veículo que chamasse a atenção para seu trabalho de ativista na Los Angeles Community Action Network.

Hoje, a motoca está em exibição num minúsculo museu no segundo andar de uma galeria comercial no centro da cidade, a poucas quadras de Skid Row e na frente do Grand Central Market, o antigo mercadão de L.A. que passou por uma restauração recentemente –e agora vende sucos a US$ 6.

Lucy Nicholson - 1.out.15/Reuters
Rua do bairro de Skid Row, em Los Angeles, Califórnia
Pessoas dormem em rua do bairro de Skid Row, em Los Angeles, Califórnia

O Museu e Arquivo de História de Skid Row, que existe há menos de um ano, trouxe outras duas criações de Dogon, como uma motocicleta vermelha customizada, que vai a mais de 100 km/h. Ele gastou mais de US$ 5.000 no trabalho, que leva um boneco no guidão, uma pena na traseira e um tremendo sistema de som. A terceira é uma mais simples, toda preta, apelidada de Batmóvel.

Antes de virar ativista, Dogon ficou dez anos preso por causa de meia dúzia de assaltos a bancos e lojas. Ele culpa o vício em crack pelos crimes, mas na prisão teve seu momento Malcolm X e passou a estudar para saber seus direitos.

DE PRIMEIRA

A primeira criação de Dogon foi com um carrinho de supermercado, com espelhinhos retrovisores, luzes coloridas e, claro, sistema de som e alto-falante. Ele liderou uma passeata no centro com cerca de 300 pessoas contra os abusos de policiais na região.

"Era um jeito de protestar. Queria criar algo maluco para chamar a atenção. Os 'cops' estavam levando os carrinhos dos sem-teto e destruindo seus pertences. Você não vê policiais fazendo isto com o Jaguar dos brancos", diz Dogon, 54.

O MEDICI DE LOS ANGELES

A dez minutos de caminhada do museu de Skid Row está o novo cartão-postal da cidade, o museu The Broad, com uma incrível coleção de arte contemporânea, incluindo obras importantes de Jeff Koons, Cy Twombly, Cindy Sherman, Warhol e Basquiat. O prédio, que lembra vagamente uma colmeia, fica ao lado do burlesco Walt Disney Concert Hall, de Frank Gehry.

O nome The Broad vem do casal bilionário benfeitor do projeto, Eli e Edythe Broad, que desde os anos 80 têm uma fundação que já emprestou mais de 8.000 obras para 500 museus e galerias do mundo.

Eli, um ex-contador filho de imigrantes lituanos que nasceu no Bronx, fez sua fortuna no mercado imobiliário e de seguros, antes de virar um dos maiores filantropos da Califórnia, especialmente na área das artes, o que acabou lhe valendo o apelido de Lorenzo de Medici de Los Angeles pela revista "The New Yorker".

Entre doações para institutos de tecnologia, pesquisas de célula-tronco e escolas, ele também deu milhões para um novo centro de teatro, para a casa de ópera, para o Walt Disney Concert Hall, além de se envolver diretamente com dois grandes museus, Moca e Lacma.

Colecionador obcecado de arte, ele agora tem um museu para chamar de seu. O projeto levou cinco anos para ficar pronto e custou US$ 140 milhões. Tem três andares, sendo que no segundo fica o acervo com mais de 2.000 obras, fechado ao público, mas com janelas que permitem ao visitante dar uma espiada ao passar pelas escadas do primeiro ao terceiro andar.

TROCO VAN GOGH

Eli e Edy começaram a colecionar nos anos 1960, com trabalhos de Braque, Toulouse-Lautrec e Van Gogh. No final dos anos 70, a coleção mudou de foco e passou a reunir arte do pós-Guerra e contemporânea. Em 1983, o casal trocou seu Van Gogh ("Cabanes a Saintes-Maries", de 1888) por um Rauschenberg, "Red Painting", de 1954, atualmente em exibição.

O The Broad foi inaugurado em setembro e tem entrada gratuita. Para evitar filas, reserve sua entrada online: thebroad.org.

FERNANDA EZABELLA, 35, é jornalista.


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