Folha de S. Paulo


Um postal de Prestes entre pinturas de Rembrandt

Rio de Janeiro, 1980

Meu livro mais recente, "Luiz Carlos Prestes: Um Comunista Brasileiro", é uma biografia política de meu pai, o célebre Cavaleiro da Esperança. Um cuidado que tive foi o de abordar sua vida pessoal só na medida em que ela explicasse sua atividade política e revolucionária durante a maior parte do século 20; mas, tendo em vista propiciar ao leitor o contato com uma esfera mais íntima do biografado, incluí no livro alguns escritos inéditos do meu pai dirigidos a mim e a Lygia, sua irmã e minha segunda mãe.

Grande parte de sua correspondência com a família –cerca de 900 cartas trocadas com a mãe, a companheira Olga e outros familiares– Lygia e eu divulgamos na obra "Anos Tormentosos - Luiz Carlos Prestes: Correspondência da Prisão (1936-1945)", uma coedição entre a Paz e Terra e o Arquivo Público do Estado do Rio.

Tanto em "Anos Tormentosos" quanto nos textos inéditos incluídos nesse novo livro, evidenciam-se de maneira cristalina o moral revolucionário, os sentimentos elevados do meu pai e seu profundo carinho pelas pessoas que lhe eram mais próximas e queridas.

Tocantes são as palavras escritas por meu pai em cartões comemorativos dos meus aniversários, nos quais frequentemente recordava com carinho a figura de Olga, minha mãe. Em novembro de 1980, por exemplo, ao me dar de presente um álbum com reproduções de pinturas de Rembrandt, ele escreveu:

"Essas obras-primas da pintura trazem-me as lembranças de um dia feliz, quando, em janeiro de 1935, junto com a Olga, visitei um dos museus de Amsterdã, onde estão expostas obras de Rembrandt, e recordo-me sempre da profunda impressão que elas causaram à tua Mãe, como sempre, admiradora entusiasta de tudo que possa haver de belo, humano e generoso no mundo [...]".

Acervo Pessoal
Postal de Prestes que acompanhou presente dado a sua filha em 1980
Postal de Prestes que acompanhou presente dado a sua filha em 1980

Um ano depois, Prestes comemorava meu aniversário com palavras que me sensibilizaram profundamente, pois meu pai não só externava o carinho que me dedicava como também reconhecia em mim uma revolucionária, digna da memória de minha mãe, comprometida com os ideias comunistas aos quais ele consagrou toda sua vida, disposta a estar sempre ao seu lado nos momentos mais difíceis, como foram os anos de exílio na Europa e, a partir de 1979, com o regresso ao Brasil após a anistia aos presos e perseguidos políticos, o rompimento com a direção do Partido Comunista Brasileiro.

"Tive a felicidade de encontrar em ti, na tua firmeza revolucionária, na tua solidariedade e ajuda, aquilo de que mais necessito. Sei que estou ferindo tua modéstia, mas, nesta data, em que meu pensamento se volta para o martírio de tua mãe, espero que possas ver nestas linhas a expressão do meu carinho e dos votos que formulo pela tua saúde e felicidade."

Palavras como essas infundiram em mim a grande responsabilidade de preservar sua memória para as novas gerações de brasileiros –uma das razões pelas quais me dediquei durante mais de 30 anos à pesquisa e à escrita desta biografia.

Nota: "Luiz Carlos Prestes: Um Comunista Brasileiro", acaba de ser lançado pela Boitempo.

ANITA LEOCADIA PRESTES, 78, é professora do programa de história da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.


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