Folha de S. Paulo


Na prateleira da direita

Vários novos livros de temática liberal ou conservadora –de "direita", embora alguns autores não usem o termo– chegaram ao mercado nos últimos meses. Há tanto traduções quanto livros nacionais.

"Um Capitalismo para o Povo" [trad. Augusto Pacheco Calil, Bei, 296 págs., R$ 90], do professor de empreendedorismo e finanças na Universidade de Chicago Luigi Zingales, é um interessante tratado contra o "capitalismo de compadres", que ameaça os EUA. O país estaria virando a Itália, de onde vem o autor e "onde a melhor forma de enriquecer é ter bons laços políticos e receber um contrato do governo".

O governo americano tem se tornado maior e mais intervencionista, afirma, e governos grandes são como carniça: atraem os urubus. Em pouco tempo a regulamentação estará capturada por oligopólios, que utilizarão a força do Estado não para o interesse público, mas para impor barreiras à entrada a novos concorrentes.

O passo seguinte é a acomodação: sem necessidade de oferecer bons produtos ou serviços, as empresas viram vacas leiteiras para uma elite com boas conexões políticas, às custas dos consumidores.

As ideias de Zingales são bastante aplicáveis ao Brasil, onde boa parte do empresariado se dedica mais a fazer fila para ser atendido em Brasília do que a aprimorar sua produtividade. O dinheiro barato do BNDES, as barreiras à importação e benefícios fiscais duvidosos alimentam uma casta de privilegiados –e não há nada de esquerdismo nisso; como aponta o italiano, ser liberal significa defender o mercado, não as empresas.

Uma ótima aplicação nacional às ideias do italiano pode ser encontrada em Sergio Lazzarini. Professor do Insper, ele escreveu primeiro "Capitalismo de Laços" (Campus, 2011) e agora tem publicado no país "Reinventando o Capitalismo de Estado" [trad. Afonso Celso C. Serra, Portfolio, 408 págs., R$ 49,90; e-book, R$ 34,90], escrito em parceria com Aldo Musacchio, de Harvard.

Outras duas traduções importantes foram recém-publicadas pela editora Record, campeã em lançamentos de livros com perspectiva ideológica conservadora.

Uma delas é a reedição de "Livre para Escolher" [trad Ligia Filgueiras, 476 págs., R$ 48]. Escrito por Milton Friedman (1912-2006), Nobel de Economia de 1976, e por sua mulher, Rose Friedman (1910-2009), professora de direito na Universidade de Chicago, o livro de 1979 faz uma crítica ao planejamento estatal centralizado. "Quando alguma coisa é de todo mundo, não é de ninguém", afirmam os autores.

"É por isso que os edifícios na União Soviética, como as moradias populares nos EUA, parecem decrépitos um ano após a sua construção, por isso que as máquinas nas fábricas do governo quebram e estão em permanente necessidade de conserto."

Já "Como Ser um Conservador" [trad. Bruno Garschagen, 294 págs., R$ 38], do filósofo britânico Roger Scruton, é menos preocupado com a economia.

O autor apresenta até mesmo ressalvas ao livre mercado; o que o une aos liberais é a desconfiança quanto a líderes políticos que prometem que grande mudanças só dependem da boa vontade e, claro, da utilização do Estado. Isso, diz, dá no fim da liberdade e na morte, não em um paraíso na Terra –a coisa mais próxima dele, afirma, é a própria civilização ocidental, a ser protegida.

O autor elenca argumentos da esquerda, cita autores –de Gilles Deleuze a Michel Foucault– e tenta rebatê-los. O filósofo é autor também de um livro chamado "Pensadores da Nova Esquerda", publicado no Brasil no ano passado pela É Realizações. Apesar de o título talvez enganar progressistas desavisados,nele Scruton ataca ideias de autores como Antonio Gramsci e Jürgen Habermas.

A Record tem investido também em autores brasileiros à direita. Parece funcionar: segundo o editor Carlos Andreazza, nenhum vendeu menos de 10 mil exemplares, uma ótima marca para o mercado brasileiro. O maior sucesso da casa nessa linha, "O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota", de Olavo de Carvalho, já vendeu mais de 120 mil cópias, desde seu lançamento, em 2013.

"Creio que estamos entre os pioneiros na identificação de que havia um nicho de público leitor que não encontrava representação intelectual no mercado editorial", diz Andreazza, 34, que se considera um "liberal com muito interesse no pensamento conservador".

ESTRIDÊNCIA
O nível dos autores brasileiros garimpados por Andreazza, porém, varia muito. Salvo raras exceções, os argumentos empregados são piores, e o tom, mais estridente do que o dos títulos estrangeiros.

O discurso dos conservadores brasileiros é quase sempre mais panfletário e discute com uma ideia meio generalista, às vezes um tanto estereotipada, da esquerda. É o caso de "Por Trás da Máscara" [574 págs., R$60], de Flavio Morgenstern, e dos livros do economista Rodrigo Constantino, colunista do site da revista "Veja", conhecido pelo tom belicoso, repleto de exclamações e acusações de hipocrisia contra os adversários.

"Muitos dos novos autores estão na internet, e ela favorece a estridência", diz Leandro Narloch, que publicou pela Leya a série "Guia Politicamente Incorreto". Os três best-sellers –sobre a história do Brasil, da América Latina e do mundo– somados já venderam impressionantes 700 mil cópias.

O tom mais elevado, diz ele, é notável dos dois lados do espectro político. "Os blogueiros sabem que a audiência aumenta conforme a estridência", completa.

Para o jornalista, esse incentivo à gritaria virtual faz mal à livre circulação de ideias. Pode ajudar a ganhar audiência imediata, mas talvez seja prejudicial, a longo prazo, à própria carreira do autor, que passa a escrever para o seu gueto.

"Veja o caso do [colunista da Folha] Hélio Schwartsman, que é ótimo e ponderado. Ele não faz tanto sucesso na internet. E não tem nada a ver com ter posições em cima do muro. O Hélio já defendeu até a venda de órgãos. Mas o tom não é de ataque", diz Narloch.

Questionado sobre o assunto, Constantino diz que identifica esse tom numa ala da direita emergente. "Isso é até natural, como uma panela de pressão que finalmente encontra espaço para estourar. Mas não me considero um deles", afirma. "Entendo que escrevo alguns artigos polêmicos, mas no Brasil falar em privatização já é algo radical. Radical é defender Cuba. Exagerado é defender o PT."

Mesmo seus críticos ressaltam que Constantino teve grande papel de "catequização" liberal na internet –ele vem escrevendo na na rede há pelo menos dez anos, no início para um público bastante restrito, em um blog fora dos grandes portais. Além disso, talvez o próprio mercado brasileiro peça obras voltadas para não iniciados.

"O mercado editorial brasileiro ficou cerca de 50 anos formado por uma hegemonia de esquerda, marxista, gramsciana, que não abria espaço ao contraditório", afirma Andreazza –vale dizer que o Grupo Editorial Record, com seu selo Civilização Brasileira, publica Karl Marx e Antonio Gramsci, entre vários outros autores de esquerda.

Ele recorda que a Topbooks, que publicou a autobiografia de Roberto Campos, "A Lanterna na Popa" (1994), "foi por muito tempo a única editora brasileira a investir no pensamento liberal". "Agora isso mudou", diz, otimista. "Para nós, não há crise econômica."

FUTURO
Andreazza acredita que o mercado editorial tenderá a passar por uma consolidação da oferta de obras conservadoras. "Você percebe que meras coletâneas de artigos sem nenhum tipo de curadoria, por exemplo, já não são aceitas tão bem", afirma. "O leitor vai passar a pedir mais."

Nesse sentido, especialmente interessantes são dois livros lançados no ano passado, "As Ideias Conservadoras" (Três Estrelas), de João Pereira Coutinho, e "Complacência" (Campus Elsevier), dos economistas Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman (este, como Coutinho, colunista da Folha).

O primeiro é muito influenciado pelo pensamento de Edmund Burke, filósofo irlandês do século 18 que o cientista político português estudou em seu doutorado. Já a obra dos economistas –tão densa quanto gostosa de ler e amplamente baseada em dados e projeções– é uma defesa de que o maior desafio do Brasil é aumentar a produtividade.

É possível, na opinião de Leandro Narloch, que essa expansão das obras à direita nas livrarias perca ímpeto. "Talvez neste momento o pensamento à esquerda soe menos novo. O liberal, ao mostrar as coisas que o professor de história na escola não contou, conta com certa sensação de novidade, o que ajuda a vender", afirma.

Já Andreazza frisa o aspecto geracional da onda. Durante a ditadura, ser de direita era quase obsceno, até pela sugestão de que se estaria endossando a violação das liberdades. Mas quem tem hoje 30 anos nasceu no Brasil que se redemocratizava e cresceu após a queda do Muro de Berlim –e sob a decepção das promessas não cumpridas da Constituição de 1988.

A leva de livros à direita seria, então, sintoma tanto da desilusão com as possibilidades do Estado quanto da maior valorização de ideias como individualismo, eficiência ou empreendedorismo.

RICARDO MIOTO é editor-adjunto de "Cotidiano"


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