Folha de S. Paulo


Ao PT o que é do PT

RESUMO O autor defende, de um ponto de vista liberal, que o impeachment da presidente Dilma Rousseff ou sua renúncia seriam danosos. O tumulto decorrente e a necessidade de implementar medidas impopulares favoreceriam o PT, que passaria à oposição e ficaria em situação mais favorável para a disputa eleitoral de 2018.

Ernesto Rodrigues/Folhapress/Acervo Paper Box Lab Instituto
"Mancha no Planalto" (2013), acrílica sobre tela

A queda da presidente Dilma Roussef, seja por impeachment ou por renúncia, permanece um desfecho provável, apesar das ambiguidades e incertezas quanto à evolução do processo. Ainda não se definiu um motivo claro, mas há candidatos plausíveis flutuando no espaço de possibilidades –o TCU, o TSE etc.– à espera de quem agarre um deles e o leve adiante. Se a única pauta continuar a ser evitar a queda, esta se tornará inevitável. E não será golpe. Os malfeitos estão aí e há opiniões jurídicas fundamentadas que os julgam suficientes.

Quem, como eu, votou contra Dilma e agora assiste à sequência de erros, ultrajes e trapalhadas que tem sido seu governo, talvez esteja otimista. Quero, contudo, questionar essa reação compreensível. A revolta contra Dilma é justificada; mas tirá-la não resolverá problema nenhum e pode até dificultar a transição do Brasil para um caminho mais promissor.

Em primeiro lugar, há todo o trauma relacionado ao fim antecipado de um mandato. A sensação de quebra das regras ficará no ar. Na falta de consenso técnico, prevalecerá a impressão de que a vontade da maioria do Congresso bastará para o motivo se tornar válido. As regras do jogo terão se mostrado mais suscetíveis ao arbítrio humano do que nossa crença nas instituições permitiria.

Ao contrário do que ocorreu no governo Collor, e apesar da baixa aprovação, Dilma conta com o apoio de setores importantes da sociedade e da política, que podem estar insatisfeitos agora, mas não cederão tão facilmente a seus inimigos históricos. Com instituições abaladas, viveremos sob o espectro de uma possível revanche.

HERANÇA

Há que se considerar também a herança maldita de um governo Dilma abortado: não apenas a falência econômica como um Congresso não cooperativo com o ajuste fiscal. Ajuste que, bem ou mal, terá que ser feito.

Para quem está na oposição, não é ruim ver Dilma fazer –ou tentar fazer– tudo aquilo que dizia ser uma agenda perversa de seus adversários de campanha. Os próximos anos não lhe serão favoráveis.

O pacote de corte de gastos está aí. Dilma passou da negação de que houvesse uma crise para as primeiras doses amargas do remédio. Que seja o seu governo a sentir os efeitos colaterais.

O risco de uma guinada populista é baixo. Também é improvável que a situação do país melhore significativamente antes das próximas eleições. O período de bonança anterior, baseado no cenário externo favorável e no desequilíbrio interno cuidadosamente maquiado, não se repetirá.

O presidente que pegar o grosso do ajuste fiscal não terá muita liberdade. A agenda será preenchida pela cansativa negociação de cada corte de gastos e aumento de impostos, até que a melhora de nossas contas e o aumento da confiança no Brasil permitam reduzir a taxa de juros.

Então o país estará preparado para um mandato com mais liberdade de ação, que terá a chance de dar um novo rumo à política brasileira. Será mais fácil para alguém da oposição emplacar esse novo rumo se sua imagem não estiver desgastada.

Nesse sentido, cumpre pensar como a queda de Dilma impactaria o próprio PT e, mais especificamente, Lula. Com a instauração de um governo Temer, o PT voltaria à posição confortável (e irresponsável) de culpar a austeridade da "direita neoliberal" pela crise.

A Lula caberia um papel ativo na rearticulação do governo. E três anos são mais que suficientes para que a opinião pública esqueça tudo. Um Brasil cansado de sacrifícios sob o PMDB pode se jogar de braços abertos no colo de seu velho salvador.

DIÁLOGO

A opinião pública desaprova o governo Dilma, mas não se vê representada pela oposição. A chance de a política se reconectar com a população passa pelo diálogo aberto e pela discussão dos rumos do país.

Foram os erros de Dilma que nos jogaram no atoleiro atual: a economia regida pelo arbítrio estatal, os gastos do governo fora de controle, as pedaladas fiscais, o uso do crédito para estimular demanda ao mesmo tempo em que ignoraram-se os entraves à oferta, a transformação de toda divergência política num jogo de bem contra o mal, paralisando o debate.

O projeto do PT falhou, algo terá que substituí-lo. O PSDB está obcecado com a conquista do poder, mas, além dos discursos batidos da ética e da competência, não tem propostas claras. Vota-se nele apenas porque não é o PT.

A discussão do ajuste fiscal, embora importante, é de curto prazo. A austeridade não mostra, por si, nenhum horizonte. Precisamos decidir o que fazer depois de a casa arrumada. Nessa discussão, o PT, com seu projeto de poder criminoso e seu projeto econômico desastroso, tem de ser parte do período negro a ser deixado para trás, e não uma alternativa devidamente recauchutada. Se quisermos nos livrar do que ele representa, precisamos de uma alternativa real. Mais do que se livrar de um presidente ou de um partido, o Brasil precisa encontrar um rumo.

Uma possibilidade que se desenha é a de que o Brasil, aprendendo com os erros do passado, faça a escolha consciente por um rumo liberal: que privatize empresas estatais, liberalize a economia para promover mais concorrência, integre-se à economia global, leve adiante reformas necessárias –trabalhista, tributária, previdenciária; que o Estado abra mão de sua onipresença ineficaz para fazer bem competências essenciais.

Não será bom para os seus propositores se forem eles próprios os responsáveis pela mesquinhez obrigatória dos anos de ajuste.

Os esforços de todos aqueles que agora são oposição (e que, fora isso, não guardam muita semelhança entre si) deveriam estar nesse horizonte mais amplo dos projetos para o Brasil, que é o que as pessoas buscam.

Sentar agora próximo ao comando não garantirá que essa venha a ser uma opção desejável lá na frente, e pode até mesmo atrapalhar tal objetivo. Jamais quereria Dilma governando meu país. Mas, agora que ela foi colocada lá pelo voto, que fique até o fim; e vamos pelo voto expulsar não só ela, mas o projeto e as ideias nocivas que ela representou, que não seriam automaticamente demitidos com o impeachment da presidente.

JOEL PINHEIRO DA FONSECA, 30, é economista, mestre em filosofia e escreve para o site spotniks.com


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