Folha de S. Paulo


Buraka já se acabou?

Há uma marcha popular que todos os portugueses sabem. "Santo Antônio já se acabou/ O São Pedro está-se acabar/ São João, São João/ Dá cá um balão para eu brincar." Nas últimas semanas, depois de a banda Buraka Som Sistema ter anunciado na sua página no Facebook que, após a turnê que vão fazer em 2016, para comemorar seus dez anos, vai "parar por tempo indeterminado", os primeiros versos ganharam a versão: "Buraka já se acabou? Buraka está-se a acabar? Kuduro, Kuduro...".

Fabrice Coffrini - 6.jul.15/AFP
Kalaf Angelo, Karla Rodrigues e João Barbosa do Buraka Som Sistema em Montreux
Kalaf Angelo, Karla Rodrigues e João Barbosa do Buraka Som Sistema em Montreux

No dia seguinte a terem dado um concerto no Piknic Électronik Lisboa, aquele que ficou a ser "o último concerto de 2015", a banda portuguesa mais internacional da atualidade anunciou: "Estamos já a preparar para o início de 2016 uma tour muito especial, onde vamos não só celebrar o nosso décimo aniversário como também fechar o ciclo de existência dos Buraka Som Sistema. Foram dez anos de atividade permanente (...), mas chegamos a um momento em que precisamos de parar, respirar e ter tempo para outros projetos".

As reações não se fizeram esperar: "Vai ser o maior erro das vossas vidas! Não existe mais ninguém a fazer o que vocês fazem! Buraka sempre!" (Carlos Libério), "Só espero que estejam a gozar [troçar]" (Ana Paula Diogo), "Ninguém para os Buraka! Nem os próprios, quanto mais! Siga a dança" (Vasco Marques Correia). E ainda há quem peça que a turnê 2016 inclua o Brasil.

O MAMBO ACABOU

"A festa acabou, o mambo acabou...parou por quê'?" entoam os Buraka numa das suas famosas canções. Branko, Riot, Conductor, Kalaf e Blaya –os cinco membros deste coletivo, que nasceram em Lisboa, filhos de imigrantes das antigas colônias portuguesas, foram aos subúrbios de Luanda, em Angola, encontrar o kuduro. Lançaram o primeiro álbum, "From Buraka to the World", em 2006. Costumam explicar nos seus concertos no estrangeiro que a graça de Lisboa, onde vivem, é ser uma cidade onde se pode encontrar África, América do Sul, a Europa e também marcianos.

Branko lança dia 4/9, um trabalho solo, "Atlas", mas o single "Louca", com MC Bin Laden & Marginal Men já se pode ouvir (soundcloud.com/platform/ branko-louca-feat-mc-bin-laden- marginal-men-boiler-room- debuts). O DJ Riot (Rui Pité) editou o EP "Originatore" e é curador do bar Musicbox, uma referência da música ao vivo na cidade.

"O Angolano que Comprou Lisboa (por Metade do Preço)", livro de Kalaf Epalanga editado pela Caminho, já vai na terceira edição e foi adaptado a um espectáculo. Blaya editou o primeiro disco homônimo em 2013 (entre o rap e o baile funk) e é professora de kuduro. "Nada se perde, tudo se transforma, por isso mais do que acabar queremos chamar a isto uma paragem por tempo indeterminado", escreve a banda no Facebook.

SHERAZADE À PORTUGUESA

Quem não esteve parado nos últimos anos foi o cineasta Miguel Gomes. Depois do sucesso alcançado com "Tabu", pensou fazer um filme sobre futebol, chamado "Saltillo", que se passaria nos anos 80 numa cidade do México. Mas, um dia, a sua filha de cinco anos queria que ele lhe comprasse alguma coisa e, quando lhe respondeu não, ela perguntou se era por causa da crise.

Foi aí que teve a ideia de filmar o país e a sua relação com a crise, e assim nasceu o projeto "As Mil e Uma Noites" (as1001noites.com). A primeira parte deste filme –de seis horas– "O Inquieto", estreou-se dia 27 nas salas portuguesas. Virá depois a segunda parte, "O Desolado" (25/9) e a terceira, "O Encantado" (11/10).

Quando o filme passou no Festival de Cannes, o "Le Monde" descreveu-o como "uma epopeia fantástica, uma canção de amor aos derrotados da história, que são os portugueses de uma Europa em crise". Para realizar essa "crônica de Portugal" durante a intervenção da "troika" (2013 a 2014), Miguel Gomes teve a ajuda de uma equipa de jornalistas e utilizou atores amadores e profissionais.

"WE ARE UNSTOPPABLE"

Mas imparável só é mesmo Miss Conchita. A austríaca vencedora do Festival Eurovisão da Canção 2014 com a interpretação de "Rise Like a Phoenix" esteve esta semana em Lisboa. Conchita Wurst, que aos 26 anos se transformou numa bandeira de tolerância e dos direitos LGBT, veio lançar o álbum "Conchita".

Ganhar o Festival Eurovisão da Canção de vestido, saltos agulha e com barba foi um "statement", mas não é suficiente para mudar a sociedade.

"Ainda há um longo caminho a percorrer", diz a cantora (em novembro, sai em Portugal a biografia "Being Conchita "" We Are Unstoppable") e revela que é isso que a faz ser imparável.

ISABEL COUTINHO, 49, é repórter do jornal português "Público".


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