Folha de S. Paulo


Exposição em Fukushima prejudica relação entre arte e política

Não surpreende que a arte se renda à atração da política. O drama e a emoção de um mundo em conflito oferecem imagens comoventes e dolorosas. Mas a arte é realmente capaz de gerar uma discussão útil sobre acontecimentos mundiais, ou será que ela encoraja reações superficiais e emotivas?

Uma exposição na zona de exclusão de Fukushima, no Japão, exemplifica o que estou dizendo. Isso mesmo, na zona de exclusão de Fukushima -a área de 20 quilômetros em volta da usina nuclear de Fukushima Daiichi, que foi danificada no terremoto devastador de 2011 no Japão e da qual vazou radiação.

Vários artistas, incluindo Ai Weiwei, Taryn Simon, Miyanaga Aiko, Meiro Koizumi, Takekawa Nobuaki, Ahmet Ogut e Trevor Paglen, estão expondo trabalhos seus em um ambiente tóxico, um espaço pós-apocalíptico mortal. Você deve poder imaginar a cena. Ou não. Não duvido que esses artistas todos criem obras interessantes, mas a "exposição" é mera jogada, um simples gesto.

Asahi Shimbun/Reuters
Equipe médica escaneia mulher exposta a radiação perto da planta nuclear de Fukushima, em 2011
Equipe médica escaneia mulher exposta a radiação perto da planta nuclear de Fukushima, em 2011

Literalmente ninguém poderá visitar essa mostra. Ela é real, mas só pode ser visualizada. A arte exposta é concretamente invisível, como a própria radiação.

Então ela nos faz refletir, certo? Na realidade, não. Ao lamentar o desastre de Fukushima e chamar a atenção ao suposto horror e escândalo desse vazamento radiativo, a exposição, em vez de ser um convite à reflexão, a impede. Uma zona de exclusão nuclear é um lugar estranho, sem dúvida alguma, mas será que significa o que os artistas querem que concordemos que significa? Esse lugar é uma imagem da insensatez humana e da ciência sinistra?

É interessante que, quatro anos após a catástrofe, Fukushima atraia mais manchetes que os próprios terremoto e tsunami que devastaram o Japão em 2011. O desastre natural fez 15.890 mortos. Deixou muitíssimos feridos e devastação estrutural imensa. Mas era algo que estava fora do controle humano; não há ninguém com quem nos enfurecermos. A culpa é da própria Terra.

Os danos à usina nuclear foram apenas parte daquela enorme catástrofe natural -mas viraram "icônicos", tópicos próprios para exposições de arte, porque despertam as emoções intensas que a energia nuclear sempre desencadeia.

Ninguém morreu em consequência do vazamento radiativo de Fukushima, e a Organização Mundial de Saúde diz que mesmo os funcionários da usina não foram expostos a níveis importantes de radiação. Trata-se, na realidade, de um exemplo de acidente nuclear bem administrado e contido com êxito. Em uma das piores catástrofes naturais dos tempos modernos, um cataclismo que abalou profundamente a sofisticada sociedade moderna, o pesadelo de um acidente nuclear letal foi evitado. Isso mesmo.

Se encarássemos o que aconteceu de modo racional, Fukushima não seria visto como sinônimo de algo assustador, próprio de ficção científica. Em vez disso, seria visto como símbolo brilhante de otimismo quanto à nossa capacidade de utilizar essa forma de energia com segurança, mesmo quando submetidos às provações mais difíceis.

George Monbiot escandalizou o movimento verde ao chamar a atenção a isso no "Guardian" em 2011.

Promover um debate racional poderia ser mais útil do que apenas nos fartarmos mais uma vez com a imagem apocalíptica do desastre nuclear. Os artistas que estão expondo na zona de exclusão de Fukushima fariam mais bem se lançassem uma discussão com a ciência sobre os prós e contras da energia nuclear como solução ao aquecimento global.

Em vez disso, esta e outras exposições sobre Fukushima (uma mostra recente inspirada no desastre incluiu as fotos fantasmagóricas de Sigmar Polke de massas verdes criadas pela exposição de urânio a papel sensível) se alongam sobre as imagens estereotipadas de catástrofe nuclear, do tipo que não muda desde a Guerra Fria. É claro que o mal-estar é intensificado pela história trágica do Japão, o único país na história a ter sido atacado com armas nucleares. Mas a energia nuclear civil não é o mesmo que a guerra nuclear. Ela pode até fazer parte de um futuro melhor para nosso planeta.
Precisamos, no mínimo, de mais debates imparciais -e, desde as pinturas de bomba atômica de Andy Warhol, os artistas vêm dificultando essa discussão.

Começo a pensar que a política requer menos arte e mais ciência.

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: