Folha de S. Paulo


Leia quatro poemas de Sophie Hannah, que participa da Flip 2015

SOBRE O TEXTO Estes poemas serão lidos em inglês pela autora, no sarau Sobre Poetas e Detetives. O evento, parte da programação paralela da Flip, acontece no dia 3, e é uma iniciativa do British Council e da Casa Rocco.

*

DEIXAR E DEIXAR VOCÊ

Quando eu deixar seu CEP e estação,
Deixar desfeito o que íamos fazer,
Talvez lhe ocorra ser deixado então
Mas há deixar e há deixar você.

Quando eu deixar sua cidade e clube,
Deixar sem muito alarde nem remorso,
Não esqueça, há o que perturbe e te perturbe,
O que não fiz, jamais farei nem posso.

Quando eu me for, não esqueça que ao pesar
Tudo, do amor a um aluguel menor,
Você foi o que me fez pensar ficar
E não deixar como é de se supor;

Embora eu deixe sua imagem, paisagem
E o afastamento em pouco seja um fato
E do que deixo e esqueço esteja à margem,
Eu não te deixo, se intenção gera o ato.

Foto Eduardo Anizelli/Folhapress

UM BOSTA EM ADULTÉRIO

Desisto de mais uma noite
Pra ouvir suas queixas e nhenhenhém
Sobre sua depressão medonha
E sobre se sentir que nem
Um porco? Você diz, não deixo
Mulher e filhos. Muito bem;

Pedi pra que você deixasse?
Um beijo ia conformar agora.
Poderia, por uns momentos,
Deixá-los fora desta história?
Dez raros minutinhos, sem
Diatribe e culpa? - Ah, que glória.

Sim, eu sei que é um homem sensível:
Um coração magoado, opresso.
Quero paixão, prazer e farra.
Você diz, "farra tem seu preço...";
Então o que a gente faz aqui?
Havia fins mútuos no começo.

Você é um bosta em adultério.
Sugiro: não se dê ao trabalho.
Só que você, em fidelidade,
É meio merda, um atrapalho.
Escolha algo em que seja bom,
Seu incompetente, seu paspalho.

*

ELEGIA PREVENTIVA

Não haverá um enterro,
Não haverá um velório.
Nem cinzas espargidas
Num lago ou rio afora.
Nem cremação, caixão,
Mortalha, roupa preta.
Nem carro funerário.
Sua morte não é aceita.

Não haverá cemitério,
Nem lápide gravada
Com uma expressão de afeto.
Nem pele seca, ossada.
Nem na cidade aos prantos
A turba que lamenta.
Não se herda coisa alguma.
Sua morte não é aceita.

Não haverá que fingir
Que dói um pouco. Nem ter
Que se indagar acerca de
Lembrar ou esquecer,
Qual doeria mais;
Ou a última coisa feita,
se houve risos ou briga.
Sua morte não é aceita.

Outros, não você, vão
Morrer. Em quotas (se há
Tais quotas pra essas coisas)
Esposas vão chorar;
Não terei de dizer
Que te amei, satisfeita
Com o que eu fui pra você -
Sua morte não é aceita.

*

O FIM DO AMOR

O fim do amor devia ser um evento.
Devia envolver salão, cerimonial.
Por que diabos não? É tão normal.
Por que passar sem reconhecimento,

Convites, ternos limpos? Seja qual
For - desentendimento, quebra-pau -
O fim do amor devia ser um evento.
Devia envolver salão, cerimonial.

Melhor que cair, sem um questionamento,
Na mudez, se arrastar do que é cabal
ao escuso, da porta à parede. Um tal

fato anuncie, gaste nesse momento.
O fim do amor devia ser um evento.
Devia envolver salão, cerimonial.

SOPHIE HANNAH, 44, escritora inglesa de livros infantis, poesia e romances policiais, é autora de, entre outros, "A Vítima Perfeita" (Rocco).

ALÍPIO CORREIA DE FRANCA NETO, 49, é tradutor, poeta e ensaísta.

SÉRGIO SISTER, 67, é artista plástico.


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