Folha de S. Paulo


Revisitando as palavras de Saul Bellow em coletânea de não ficção

Existe um ascetismo, uma espécie de pureza zen, em "There Is Simply Too Much to Think About", uma nova coletânea dos textos de não ficção de Saul Below lançada no centenário de seu nascimento.

O livro, editado por Benjamin Taylor, não contém introdução. E o tom autoirônico que Bellow empregou na introdução que ele mesmo escreveu para "It All Adds Up" (1994), uma coleção anterior de ensaios, faz falta. Taylor nos força a um voo cego. Não há datas para os textos antes do final de cada peça. E só as notas do editor, no final do volume, nos informam onde os textos foram originalmente publicados.

Há argumentos em favor dessa abordagem editorial. Bellow (1915-2005) resmungava frequentemente, especialmente depois de envelhecer, contra as distrações da vida moderna. Neste livro, não há distrações; os escritos nos são dados como tábuas proféticas descidas do alto de uma montanha. Mas Bellow, além de ser um grande intelectual, gostava de fofocar, de conversar fiado: era um homem das ruas, um homem de sua era. Isolá-lo do contexto parece um desserviço.

Taylor também o tosquia de outras maneiras. Em "There Is Simply Too Much to Think About", alguns ensaios brincalhões e dinâmicos que constavam da coletânea precedente foram excluídos. Um deles, para a revista "Esquire" em 1961, era um apanhado amplo intitulado "Literary Notes on Khrushchev". Bellow observava que o estilo cômico do líder soviético parecia ter sido adaptado dos "autocratas provincianos, calhordas, sovinas, glutões, apostadores e beberrões" de "Almas Mortas", de Gogol.

Também foi excluída uma seção chamada "algumas despedidas", recordações de Bellow sobre escritores como John Cheever e Isaac Rosenfeld. O melhor texto era sobre o poeta John Berryman, descrito como "um homem com barba de meteoro, à la John Brown". Preocupado com a saúde e sanidade do amigo depois de ninguém tê-lo visto por dias, Bellow arrombou uma das janelas de Berryman e o encontrou deitado na cama, de barriga para baixo. Sem se mexer, Berryman pronunciou: "Isso é um desperdício de esforço. Não há o que nos regenere".

Em lugar de coisas como essas, Taylor optou por destacar as palestras e os artigos de opinião de Bellow. Alguns títulos representativos: "O escritor e a audiência"; "literatura: o próximo capítulo"; "o escritor como moralista". Outros ensaios retomam questões perenes: escritores devem lecionar? Devem conviver com outros escritores? (A resposta de Bellow a essas duas últimas perguntas é, essencialmente, "bem, depende".)

Esses ossos muito mastigados não exibem o que muitos escritores têm de melhor. Bellow se inclinava ao tom professoral, e sabia disso. "Preciso controlar", ele confessa em uma das palestras, "minha tendência à divagação". Se o nome dele for removido de alguns desses textos panorâmicos, é fácil questionar por que perder tempo com eles. Ainda que o objetivo dessas peças seja nos aproximar dele, na verdade elas nos afastam ainda mais.

Muitas retornam a um tópico persistente: a modernidade propelida pela tecnologia, e o incômodo que ela causa à mente contemplativa. Below estava ciente de que sua insistência constante quanto ao nosso "estado de distração radical" o fazia soar um velhote ranzinza, um casmurro crítico das inanidades da juventude. Ele admite o fato em sua introdução a "It All Adds Up", e expressa o desejo retroativo de repetir menos essas queixas. A admissão cairia bem no livro novo.

Em um comentário na contracapa de "There Is Simply Too Much to Think About", Philip Roth, amigo de Bellow, lealmente alega que ele estava entre os raros novelistas capazes de escrever "trabalhos de não ficção de força comparável à sua ficção". Mas praticamente desde o começo deste livro, fica claro que não é esse o caso.

E apontar o fato não reduz em nada a grandeza de Bellow. Ele simplesmente escrevia não ficção, boa parte do tempo, com a mão esquerda. Não era algo a que desse valor. Vivia para seus romances. Estava sempre mais antenado quando se pronunciava por meio de seus indeléveis protagonistas, ou quando discorria sobre eles, de Eugene Henderson e Moses Herzog a Augier March e Albert Corde, de "The Dean's December". Como Bellow em seus trabalhos de ficção, Corde desejava chegar a um entendimento franco com "as insanidades em larga escala do século 20".

Cabe apontar que Taylor também adiciona ensaios à coleção anterior de Bellow, e não só os subtrai. Algumas dessas peças novas são excelentes, incluindo duas entrevistas (uma com Roth) e artigos da última década de vida de Bellow.

Os melhores textos de "There Is Simply Too Much to Think About" voam mais baixo que os grandes pronunciamentos com P maiúsculo do escritor. Há escrita muito desenvolta, no livro, sobre Chicago, sua cidade natal, e sobre assuntos como trapaceiros, terrorismo, Paris e Vermont, escritores como Ralph Ellison e J. D. Salinger e a idiotice de certos críticos e acadêmicos.

Quando ele está soltando o braço, se estendendo ao ar livre, Bellow dispara tacadas longas e precisas como as de Arnold Palmer em uma manhã arisca de sábado. Não há chapéu mais elegante a colocar.
E quando a região centro-oeste dos Estados Unidos está na mira de Bellow, o resultado é sempre interessante. Chicago muda com tanta frequência, ele escreveu em 1983 em um artigo para a revista "Life", que "o morador de Chicago, ao vaguear pela cidade, se sente como um cara que perdeu muitos dentes. Sua língua fica explorando os vazios".

Já em outro texto ele expõe de maneira brutal um encontro com a realidade do centro-oeste: "Imaginemos um homem que viva em Akron, Ohio, e lecione sobre a História do renascimento italiano", ele escreveu em 1957. "É pavoroso pensar sobre o que ele precisa reconciliar".

Bellow acompanhava os telejornais. Os capacetes de cabelo de apresentadores como Ted Koppel e Dan Rather, ele sugeriu em artigo para a revista "Forbes" em 1992, eram "o paralelo observável mais próximo das perucas de Versalhes ou da corte de St. James. Essas coroas de cabelo podem contribuir charme e dignidade, mas também oprimem o cérebro com seu peso".

Há histórias bem humoradas sobre ser visitado em Vermont por Jack Nicholson, que fumava cigarros misteriosos, e sobre dividir um apartamento com Ellison quando os dois eram jovens. Bellow viajou em busca de trufas na França com sua mulher Janis, em 1992, e depõe: "Tentamos encontrar um nome para o aroma almiscarado que enche o carro. Tendo provado a trufa, estou disto a deixá-la aos seus apreciadores. Continuarei a usar queijo ralado no meu macarrão".

Bellow sobreviveu até a era da correção política, mas felizmente não até a era do Twitter, que o teria matado ao primeiro contato. Ele odiava ortodoxias, e escreveu em 1992 que "as pessoas que têm tudo do melhor sempre querem as melhores opiniões. O que houver de mais fino". Ele acrescentou: "Os atrativos da anuência, ou do conformismo, crescem, e os perigos da independência se aprofundam. Diferir é perigoso".

O melhor de "There Is Simply Too Much to Think About" desperta o desejo de voltar aos romances de Bellow, mais sustentados em sua força e em sua graça. Fui meio duro para com o editor do livro, Taylor, que também tem força e graça, bem expressos em sua excelente introdução a "Saul Bellow: Letters" (2010), que começava assim: "Quando instado a escrever sua autobiografia, Saul Bellow costumava dizer que não havia nada a dizer senão que ele vivia insuportavelmente ocupado desde sua circuncisão".

Podemos aguardar o primeiro volume da nova biografia de Bellow por Zachary Leader, em maio, para descobrir o resto da história.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: