Folha de S. Paulo


Diário de Berlim - Da xenofobia ao entulho

Quando começou a aparecer nas ruas de Dresden, no leste da Alemanha, em outubro passado, o movimento xenófobo Pegida -sigla para Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente- parecia ser um saco de gatos, reunindo classe média, desempregados e grupos de extrema direita.

Agora, um estudo recém-divulgado mostra quem são os alemães que, toda segunda-feira, cada vez mais reforçam as manifestações do movimento: eles vêm de uma classe média bem instruída e empregada, com rendimento acima da média do Estado da Saxônia, onde fica Dresden, foco dos protestos.

A grande maioria dos manifestantes diz sair às ruas por insatisfação com a política da chanceler Angela Merkel. Em seguida, aparecem os que se dizem ofendidos pelas críticas dos grandes jornais do país, aos quais chamam de Luegenpresse (imprensa mentirosa, expressão muito usada pelos nazistas 80 anos atrás). Apenas 15% declaram abertamente ter ressentimentos contra imigrantes.

Enquanto antes todos os partidos pareciam unidos na sua recusa ao Pegida, alguns políticos da CDU de Merkel pedem agora um novo trato com o movimento, que vem pipocando em outras cidades, mesmo que com menos força. Eles temem que os manifestantes, apartidários na sua maioria, bandeiem para a nova agremiação de direita em ascensão no país, a Alternativa para a Alemanha (AfD, em alemão).

A AfD tem um programa antiEuropa e está conquistando cada vez mais cadeiras nos parlamentos estaduais. Algumas semanas atrás, seus líderes ainda tinham escrúpulos de se aproximar dos "europeus patriotas" do Pegida, mas agora os veem como potenciais eleitores.

Não faltam na imprensa previsões alarmistas de que esta nova direita formada pela AfD e o Pegida se tornará o Front National alemão.

TERRORISMO

Até 8 de março, o Museu Histórico apresenta uma exposição sobre a Fração do Exército Vermelho (RAF), grupo terrorista que abalou a Alemanha por quase três décadas. Ali estão centenas de documentos inéditos, vídeos e fotos, indo desde suas origens, nos anos 1960, até sua dissolução, em 1998.

As ações do grupo, de assaltos a atentados, deixaram pelo menos 34 mortos. Diferente de exposições feitas nos anos anteriores, criticadas por ressaltar demais as ideias dos membros da RAF, mitificando de certa forma a organização, o evento em Berlim consegue ser factual. Ele destaca a questão sobre por que parte do movimento estudantil de 1968 se radicalizou a ponto de cair na clandestinidade e no terrorismo -um tema atual, considerando os jovens europeus que vêm se unindo ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque.

DO POVO

Uma das salas de espetáculo mais importantes de Berlim, o Volksbuehne (ou Teatro Popular), está comemorando cem anos.

Quando foi inaugurado no Scheunenviertel, o bairro judaico, no final de 1914, o teatro tinha como lema "arte para o povo": as peças destacavam a luta de classes e eram financiadas pelos próprios operários -um contraponto radical às salas burguesas que predominavam na Berlim da época.

Durante o nazismo e a ditadura socialista alemã-oriental, o teatro ficou por mais de 50 anos sob a égide de regimes totalitários. Mas vários diretores tentaram resistir, como o suíço Benno Besson, que nos anos 1970 entrou em confronto com as autoridades por encenar peças de Heiner Müller.

Em 1992, dois anos depois da reunificação da Alemanha, Frank Castorf assumiu a direção, destacando os conflitos leste-oeste.

ENTULHO NAZISTA

Até o começo deste mês, os berlinenses puderam admirar, na frente do Volksbuehne, na Rosa-Luxemburg-Platz, uma instalação inusitada: o entulho da casa onde nasceu o ministro nazista Joseph Goebbels. A ideia foi de Gregor Schneider, artista premiado em 2001 na Bienal de Veneza que trabalha com espaços já construídos.

Em 2013 ele comprou a casa de Goebbels em Rheydt (oeste da Alemanha), que também é a sua cidade natal. Até tentou morar lá dentro, mas não conseguiu. "A história tomou conta de mim."

Acabou derrubando-a e juntando os escombros numa caçamba. Depois de ter sido exposto em Varsóvia e Berlim, o material será agora eliminado em um depósito, tomando o destino de um entulho comum.

SILVIA BITTENCOURT, 49, é jornalista, autora de "Folha Explica o Euro" (Publifolha).


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