Folha de S. Paulo


Ativistas russas do Pussy Riot visitam Reino Unido

As duas mulheres aprisionadas por seus protestos contra Putin instam os ocidentais de esquerda a não acreditar em tudo que veem no canal Russia Today

Houve selfies, muitas e muitas selfies, diante da sede do governo britânico, do Parlamento, e do galo azul da Trafalgar Square. Houve entrevistas ("Guardian", BBC e para a TV tcheca). E, inevitavelmente, houve política: as condições medievais nas prisões russas, que tipo de Rússia existirá depois de Vladimir Putin, e por que tanta gente no Ocidente parece simpatizar com o presidente russo?

Durante sua visita a Londres, Nadya e Masha –Nadezhda Tolokonnikova e Maria Alyokhina–, do Pussy Riot, também foram causa de propaganda do Kremlin e, especialmente, do Russia Today (RT), o canal em língua inglesa da TV russa.

Esta semana, o canal RT, que transmite no Reino Unido há nove anos, se viu censurado pela Ofcom, a agência regulatória das telecomunicações britânicas, por suas reportagens sobre a Ucrânia, que violaram as normas de imparcialidade. "Temos de conquistá-lo", disse Alyokhina sobre o RT. "Algumas pessoas de esquerda o veem como um veículo alternativo de mídia. É evidentemente bom que todas as vozes tenham espaço no campo [das comunicações]. Mas os esquerdistas no Ocidente precisam compreender que ele não é de maneira alguma um canal de esquerda".

Leon Neal/AFP
Maria
Maria "Masha" Alyokhina (à esq.) e Nadya Tolokonnikova no parlamento inglês

No mês passado o Russia Today lançou sua programação exclusiva para o Reino Unido. Tolokonnikova disse que o orçamento total do canal - US$ 324 milhões em 2015 - é coberto pelos impostos, em um país no qual professores universitários ganham apenas US$ 300 a US$ 400 por mês. "O orçamento deles é superior ao de qualquer canal nacional da TV russa. As pessoas que o assistem deveriam ter a percepção de que estão assistindo a propaganda do Kremlin".

Em termos mais amplos, os intelectuais ocidentais desiludidos com as sociedades e a política de seus países muitas vezes apoiam o Kremlin sem saber muito sobre a situação cada vez mais sombria dentro da Rússia. "Muita gente no Ocidente... se não apoia o governo ou a corrente política dominante de seu país, imagina que Putin seja sua única opção".

A maioria dos ocidentais parece não saber que existem dezenas de prisioneiros políticos na Rússia, o que inclui pessoas detidas por se manifestar contra a posse de Putin em maio de 2012. A oposição russa não está morta, disse Tolokonnikova –a despeito do fracasso do movimento de protesto em massa contra Putin em 2011 e 2012. Ativistas recentemente organizaram uma grande manifestação contra a guerra na Ucrânia, ela afirmou.

As integrantes do Pussy Riot estão passando uma semana no Reino Unido. A viagem inclui uma visita ao Parlamento britânico, um discurso diante da União dos Estudantes da Universidade Cambridge e um evento promovido pela Anistia Internacional na sexta-feira. A visita ao Parlamento tem conexão com o caso de Sergey Magnitsky, advogado russo que combatia a corrupção e foi assassinado na prisão. Elas planejam também visitar Vladimir Bukovsky, dissidente soviético encarcerado pelo KGB e que passou duas décadas na cadeia e em instituições psiquiátricas. Bukovsky e suas memórias sobre a prisão –o título em português seria "Para Construir um Castelo"– foram uma inspiração, disse Alyokhina, durante a passagem dela por uma colônia penal russa.

Tolokonnikova e Alyokhina foram libertadas em uma anistia presidencial em dezembro passado, depois de 18 meses de prisão. A punição a elas aconteceu por conta de um protesto punk contra Putin na catedral de Cristo Salvador, em Moscou, no qual as integrantes do grupo, usando roupas e capuzes coloridos, cantaram uma oração punk ("Virgem Maria, mãe de Deus, expulse Putin! Virgem Maria, mãe de Deus, expulse Putin, nós imploramos!")

Será que elas imaginavam que o protesto –dirigido não só contra Putin mas contra a Igreja Ortodoxa russa, uma instituição governista– terminaria em prisão, um julgamento encenado e fama mundial? "Estávamos pensando sobre coisas muito práticas! Queríamos fazer um bom vídeo", respondeu Alyokhina, rindo.

Desde que foram libertadas, as duas vêm viajando extensamente, em companhia de Pyotr Verzilov, o marido de Tolokonnikova, mais recentemente à Noruega e aos Estados Unidos. Elas palestraram na Universidade Harvard e foram apresentadas a diversos de seus heróis, entre os quais Patti Smith e Noam Chomsky. As integrantes do Pussy Riot disseram ter se desentendido com Chomsky sobre a Ucrânia: ele aprova a anexação da Crimeia por Putin.

Na Rússia, Tolokonnikova e Alyokhina lançaram um projeto de reforma penitenciária e um site de media, o Mediazona. O pessoal das prisões tipicamente trata os detentos como gado, elas contam –"animais colocados em custódia para cuidado". "É por isso que eles [os guardas penitenciários] espancam as pessoas com a maior casualidade. Não sentem que [os detentos] sejam seres humanos". Mulheres apanhadas fumando eram punidas com a escavação forçada de uma imensa cova simbólica na qual sepultar o cigarro. As detentas eram forçadas a enfrentar frio intenso para ir ao banheiro.

"Tentamos cobrir todo o possível sobre as prisões e sobre as questões mais amplas de policiamento e lei. Se você acompanhar o Mediazona por uma semana, não terá como afirmar que não existem prisioneiros políticos na Rússia", disse Alyokhina.

As duas reconhecem que Putin é imensamente popular em seu país, com índices de aprovação acima dos 80% depois da anexação da Crimeia pela Rússia, em março. Mas afirmam que a forte propaganda pró-governo privou os cidadãos comuns da capacidade de tomar decisões políticas informadas, em um Estado caracterizado pela passividade política.

"As pessoas na Rússia hoje vivem em uma situação em que imaginam que possam escolher seu governo. Quando toda a mídia e a TV fala só de Putin, é muito difícil para as pessoas desenvolver um senso de que é possível escolher entre diversos partidos. Quando você fala de apoio a Putin, está falando de pessoas apoiando um vazio". Elas descartam a agenda de Putin quanto à promoção de valores conservadores como hipocrisia, acrescentando que "ele não tem programa nem plano".

As duas afirmaram apoiar as sanções ocidentais contra a Rússia, impostas pelos Estados Unidos e União Europeia por conta da guerra no leste da Ucrânia, e se declaram indiferentes à acusação de que são fantoches do Ocidente. Em visita à sede do "Guardian", as duas disseram que não se encontraram com Edward Snowden, o mais famoso fugitivo abrigado em Moscou, mas que gostariam de fazê-lo. "Seria perigoso para ele e para sua situação. Mas se ele quiser, gostaríamos de nos encontrar com ele". E o que elas diriam a Snowden? "Não sei, acho que teríamos a nossa habitual conversa de ativistas", brinca Tolokonnikova.

As duas zombaram de modo divertido do presidente tcheco Milos Zeman, que no final de semana passada lançou um bizarro ataque, repleto de palavrões, contra o Pussy Riot em uma entrevista de rádio. Elas sugerem que Zeman é outro líder esquerdista europeu que, quando o assunto é a política russa, se confunde completamente quanto à trama.

"É melhor que ele não fale do Pussy. Ele não sabe quem somos. Somos especialistas nisso, e ele não. Somos punk, e ele não é. Comportou-se como um idiota patriarcal típico", disse Tolokonnikova.

Ela disse que o punk britânico teve imenso impacto sobre o trabalho de sua banda. Diz até ter roubado uma letra dos Cockney Rejects para uma canção do Pussy Riot. "Não sabíamos tocar guitarra, quando começamos [o Pussy Riot]". E agora, ela aprendeu a tocar guitarra? "Sei tocar piano", respondeu Tolokonnikova.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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