Folha de S. Paulo


Diário de Buenos Aires - Poesia eleitoral e refeição às escondidas

Em um discurso recente, a presidente Cristina Kirchner deu uma pausa nas falas sobre política para tecer algumas considerações sobre cinema. Elogiou o filme paraguaio "Sete Caixas" e perguntou se a plateia havia visto "esse filme fantástico que é 'Relatos Selvagens'".

Ver "Relatos Selvagens" em Buenos Aires não é tarefa fácil.

As sessões do começo da noite ou dos fins de semana esgotam com muita antecedência -foram necessárias três idas à bilheteria até conseguir uma entrada. Trata-se da estreia com melhor desempenho na história do cinema argentino: já se aproxima da marca de 500 mil espectadores. Nos jornais, projeta-se um dos maiores sucessos comerciais da história.

A intensa campanha publicitária que antecedeu a estreia certamente contribuiu para isso, mas o filme tem seus méritos. É uma comédia dividida em seis episódios, sem conexão narrativa entre eles, e mostra situações em que as pessoas reagem de maneira exacerbada a chateações comuns (carro guinchado, briga de trânsito, decepções amorosas etc.).

E trata-se de uma superprodução, bem filmada, com explosões aparentemente impecáveis na técnica. Se não fosse isso, "Relatos Selvagens" estaria mais para um bom programa de esquetes do que para um longa-metragem -o diretor Damián Szifrón tem uma carreira mais vinculada à televisão do que ao cinema.

Ah, sim: tem o Ricardo Darín.

O OUTRO CENTENÁRIO

O escritor Julio Cortázar completou cem anos, e a Argentina comemorou com nada menos do que 13 mesas-redondas e eventos durante a Feira do Livro de Buenos Aires. No jardim da Biblioteca Nacional -que se chama "Rayuela" (nome original de "O Jogo da Amarelinha")- ergueu-se ainda um novo monumento em sua homenagem.

A cidade celebra agora, de modo mais discreto, o centenário de Adolfo Bioy Casares.

Um dos destaques é o lançamento do livro "Bioy Casares Va al Cine", parte de uma série da editora Libraria Ediciones que narra a relação de diferentes escritores (como Roberto Arlt e Jorge Luis Borges) com essa arte.

No novo volume, assinado por Adriana Mancini, o leitor acompanha como, em salas como a do velho cinema Hindú, nos anos 1920, Bioy Casares, ainda adolescente, se apaixonou pela primeira vez: pela imagem da atriz norte-americana Louise Brooks.

MARINA POETA

Os jornais argentinos estão escolhendo seu lado na campanha eleitoral brasileira. A grande novidade é a presença de Marina Silva e o seu desempenho nas pesquisas. Mais noticiosos nesta cobertura, "Clarín" e "La Nación", por enquanto, tratam de descrever os movimentos das pesquisas eleitorais e os debates.

O "Perfil", que sai aos finais de semana, a descreve como um "furacão". Ela já apareceu na capa acompanhada de um poema de sua autoria. Na semana seguinte, o jornal publicou um outro poema de Marina. A publicação também fez uma reportagem sobre o argentino Diego Brandy, que trabalha com a candidata.

O "Página 12" optou por um tom diferente. Já publicou que a ex-senadora aceitou compor a chapa com Beto Albuquerque, "um dirigente vinculado ao agronegócio", e afirma que ela construiu sua credibilidade junto "às elites" combinando uma guinada neoliberal com "boa relação com as embaixadas dos EUA e da Alemanha (ambas com os olhos na Amazônia)".

CHIQUE E ILEGAL

Restaurantes a portas fechadas são uma pequena febre. Estima-se que existam cerca de cem na cidade. Eles funcionam na casa dos chefs, é preciso fazer reservas e só se descobre o endereço depois de confirmar presença.

Os "portas fechadas" são um mercado pirata gastronômico: fogem dos impostos de 21% sobre cada refeição, contratam sem pagar direitos trabalhistas e não tiram licença para poder funcionar ou vender álcool. O fisco não tem dado muita atenção a eles, mas, com problemas financeiros, especula-se que o governo começará a esticar os olhos para o segmento.

FELIPE GUTIERREZ, 34, é correspondente da Folha em Buenos Aires.


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