Folha de S. Paulo


Arquivo Aberto - O penetra na MPB

São Paulo, 1973

A década de 1970 foi, sem dúvida, o melhor período para mim como músico, compositor e cantor. No ano de 1973, tudo aconteceu de forma muito intensa e especial, acima de qualquer previsão das mais otimistas.

O lançamento do meu quarto LP não veio apenas confirmar que eu realmente estava fazendo a coisa certa, mas também mostrou o quanto o meu trabalho estava sintonizado com o tempo. O sucesso foi tão grande que levou diversas rádios a tocarem quase todas as faixas do disco -eram 12-, com exceção de "Pílula (Uma Vida Só)", que havia sido proibida.

A minha imagem estava sempre estampada nas revistas e jornais, e minha presença era praticamente obrigatória em programas de televisão. Eu era, como se costuma dizer, a bola da vez.

A gravadora Phonogram, sob o comando de seu competente presidente André Midani, iria realizar três noites de shows no Palácio do Anhembi, em São Paulo, um projeto chamado "Phono 73". A ideia do evento era reunir o elenco da gravadora com ênfase nos artistas da MPB em uma festa inesquecível.

Eu fazia parte desse elenco, mas não constava da lista dos convidados, pois fazia um estilo mais popular, o que não combinava com as ambições do evento.

Foi nesse cenário que recebi um telefonema de Midani me contando do interesse de Caetano Veloso em ter a minha participação ao seu lado no palco do evento.

Acervo Pessoal
Caetano (esq.) e Odair José, no encontro para o ensaio em 1973
Caetano (esq.) e Odair José, no encontro para o ensaio em 1973

Levei um tremendo susto, pois mesmo consciente de tudo o que vinha acontecendo, jamais havia passado pela minha cabeça a possibilidade de receber um convite como aquele. Ainda cheguei a questionar o porquê do convite ao presidente, mas ele me disse que deveria me encontrar com Caetano para discutir o assunto.

Caetano passava uns dias no interior de São Paulo e, dessa forma, a gravadora colocou um avião particular a minha disposição para que nosso encontro acontecesse. Lá fui eu, do Rio de Janeiro até onde ele estava. Caetano e Dedé, sua esposa na época, foram me encontrar no pequeno aeroporto -não me recordo o nome da cidade- e nos dirigimos até a casa de amigos onde eles estavam hospedados.

Tive o prazer de conhecer uma pessoa gentil e muito educada, um artista a frente de seu tempo.

Passei uma parte do dia ao seu lado tomando sucos, refrigerantes e café, toquei violão e mostrei algo novo. Foi quando fiquei sabendo que ele gostava da música "Vou Tirar Você desse Lugar", tema que ele gostaria que cantássemos juntos. Perguntei como seria e, de uma forma simples, ele disse: "Você toca e canta a primeira parte, e eu entro no refrão".

Voltei para o Rio naquela mesma tarde e, alguns dias depois, desembarquei em São Paulo para me encontrar com ele e com toda aquela constelação de estrelas no Anhembi. Chegando lá, dei de cara com Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Nara Leão, Jorge Ben, Gal Costa, Elis Regina e tantas outras feras. Eu já disse uma vez que, na minha opinião, a felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes, e aquilo tinha tudo para ser um momento extremamente feliz.

A intenção de Caetano era linda e pura. Porém, o público não pensou da mesma forma e terminaram rejeitando a minha presença na festa. Era como se eu fosse um intruso, um penetra, e fomos vaiados do início ao fim. Ou melhor, eu fui vaiado e o meu anfitrião ficou muito chateado, por isso não conseguimos fazer daquele momento um momento totalmente feliz. A plateia não soube aceitar, mas o clima nos bastidores era ótimo, valendo muito cada minuto ali, pelo menos para mim, que tive esse momento único: o Caetano e eu, por um instante, na "Phono 73".

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Ouça a gravação de Caetano Veloso e Odair José na Phono 73:

Vídeo

ODAIR JOSÉ, 65, cantor e compositor, prepara o álbum de inéditas "Dia 16", que será lançado em agosto.


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