Folha de S. Paulo


Diário de Londres: A greve da pipoca

É crise para todo lado nos bastidores do entretenimento de Londres. Ameaça de greve aqui e corte na verba pública acolá. O turista talvez nem perceba num primeiro momento, mas por trás das cortinas o bicho está pegando.

O mercado de cinemas, teatros e outros espetáculos corre risco de sofrer uma greve pesada nas próximas semanas, em pleno verão londrino. Não se assuste se trombar com um protesto no cinema, a pipoca esfriar ou o começo do filme atrasar.

Tem crescido a manifestação pela valorização dos funcionários, a maioria jovens de até 25 anos, que ficam atrás do balcão, vendendo os quitutes, o refrigerante e os bilhetes.

A campanha ganhou corpo sobretudo após o apoio púbico de personalidades, como Russell Brand, Eric Cantona, Ken Loach e Mike Leigh. No mês passado, Cantona, ex-jogador francês e ator, tirou foto ao lado de manifestantes no histórico cinema The Ritzy, em Brixton. Ele havia visitado o local para promover seu documentário "Looking for Rio". Uma petição a favor do "staff" dos cinemas já colheu 7.000 assinaturas.

A conta é a seguinte: o salário mínimo de Londres é estimado em 8,80 libras por hora, segundo a prefeitura. Os funcionários desses centros de entretenimento recebem, em média, até 1 libra a menos. Numa conta mensal, isso representaria uma perda de até 300 libras no bolso deles. É muito para os padrões da classe trabalhadora de Londres.

Eles compararam o salário com a média do ingresso de uma sessão de cinema na cidade, que é de 15 libras (uns R$ 60) –a pipoca custa entre 5 e 8 libras.

A Picturehouse, uma das maiores empresas de cinema do país, diz que ofereceu aumento de 4%, ainda abaixo do salário mínimo, e alega que o valor exigido só será possível se as metas de atendimento aos clientes forem atingidas.

NA FACA

A crise foi temperada pelo golpe que atingiu em cheio o orçamento da Ópera Nacional Inglesa, uma das mais tradicionais de Londres. O Conselho de Artes da Inglaterra anunciou no dia 2 de julho um corte de 5 milhões de libras (cerca de R$ 20 mi) por ano na verba da instituição; 30% do orçamento anual.

A Royal Opera House, a outra tradicional casa londrina do gênero, também passou na faca e perdeu 555 mil libras anuais. A resposta do conselho: cabe agora a esses lugares, se quiserem, diminuir a sua agenda de espetáculos ou encontrar um novo modelo de negócio rentável.

Ao todo, 58 companhias de teatro, dança e outros espetáculos foram excluídas do portfólio do conselho inglês, órgão que administra os recursos, abastecidos por meio de impostos e de dinheiro da loteria. Caiu de 682 para 670 o número de organizações beneficiadas -ao todo, a verba é de 340 milhões de libras por ano. O Museu de Londres, por exemplo, vai perder 19% de sua verba até 2018.

E ÁGUA FRESCA

O presidente da Faculdade de Saúde Pública do Reino Unido, John Ashton, lidera um movimento para mudar a cultura de trabalhar cinco dias por semana e descansar dois. Para ele, o ideal para a saúde dos britânicos é diminuir um dia de serviço. Segundo ele, a "má distribuição" da força do trabalho tem causado muitos problemas de saúde na população, disse ao jornal "The Guardian".

"Devíamos nos mover nessa direção porque o problema que temos no mercado de trabalho é que há pessoas trabalhando pesado e pessoas sem emprego", reforçou Ashton. Para ele, a redução de um dia de trabalho representará mais lazer, redução do stress e problemas de pressão sanguínea, entre outras coisas.

Recente pesquisa apontou que 57% dos britânicos aprovam a ideia -para 71%, a mudança faria a Grã-Bretanha um lugar mais agradável de viver.

YOUNG READERS

Londres tem até setembro 50 bancos espalhados pela cidade com ilustrações de livros infantis. A ideia, de um grupo de artistas e escritores, é promover a leitura entre os jovens. Uma pesquisa feita em 2013 com 30 mil crianças de oito a 16 anos aponta que 53% delas apreciam "muito" os livros. Mas quase um terço delas dizem ter dificuldades em encontrar um livro que as interesse.

LEANDRO COLON, 34, é correspondente da Folha em Londres.


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