Folha de S. Paulo


Eu, Cristiano

Bom dia, como está? Isto é um pouco constrangedor. Desculpe. Foi o Cristiano Ronaldo quem me mandou. Tem conhecimento? Ótimo. A minha história? Quer que lhe conte a minha história? Para isso tenho de começar lá atrás. Se tem tempo... Obrigado. Uma garrafa de água, por favor.

Bom. A minha história começa assim:

O meu pai chamava-se Martunis.

Era um homem sério, religioso, algumas pessoas diziam que estava sempre com a cara cheia de problemas. Eu nunca o vi assim, tenho outra ideia. No sítio onde nasci, em Bali, acreditamos que os deuses estão acima da montanha e que o mal está no mar. O meu pai nunca compreendeu os turistas, os surfistas, a vontade de ir à praia. Respeitava e temia o mar. Para sermos honestos, tinha todas as razões para encarar o mar como um inimigo. O mar virou-se contra ele. Sim, é uma história que correu o mundo. Enfim, o meu pai não teve uma vida fácil. Para explicar melhor, tenho de contar que ele era muito novo quando as ilhas foram devastadas pelo tsunami. Isto foi em 2004. Não se recorda? Bom, eu sei quase tudo o que há para saber sobre o tsunami. Infelizmente.

Era o dia 26 de dezembro, pelas oito da manhã. Foi um abalo de 8,9 na escala de Richter e depois de nove graus. Foi o sismo mais violento em anos. Morreram mais de duzentas e vinte mil pessoas, milhares ficaram desalojadas, muitas desaparecidas. A única informação que existe é pouco conhecida. Aquele a que acho alguma graça é que, como resultado, a duração dos dias tenha diminuído. Seis microssegundos. Não é incrível? Ou seja, a rotação do planeta Terra passou a ser mais rápida. A maioria das pessoas não liga a estes pormenores, eu acho fascinante. Tenho quase a certeza de que passamos todos a viver mais depressa por causa do tsunami. É apenas uma ideia, claro.

Desculpe. Não vim aqui para falar de geografia, tem toda a razão. O que importa é que este evento mudou a vida da minha família. Eu ainda não tinha nascido, naturalmente. Todas as histórias sobre o tsunami, fui-as ouvindo enquanto crescia. Vários tipos de histórias, mas nenhuma como a de um menino chamado Martunis. Logo a seguir ao vosso Natal, o meu pai esteve desaparecido durante vinte e um dias. Quando foi encontrado por uma equipa de reportagem inglesa, estava desidratado, e a única coisa que trazia no corpo era uma camisola da seleção portuguesa. Sim, é verdade. Esta imagem, do meu pai, muito pequeno, com sete anos, com a camisola portuguesa, ainda se pode encontrar com facilidade. É, ainda hoje, comovente. Um menino perdido. Foi-se alimentando de coisas que o mar lhe trazia, estava muito magro, mas sobrevivia, sempre com a camisola. Quando chegou ao hospital, foi preciso algum tempo para o convencer a despir a camisola. Pelo menos era o que ele contava. E contava com orgulho.

Devo dizer que o herói do meu pai era o Cristiano Ronaldo. Foi assim que, quando nasci, não houve qualquer dúvida quanto ao nome que me dariam. A minha mãe não teve hipótese de escolha. Vingou-se na minha irmã, acho eu. Escolheu o nome da mãe. O meu pai não gostava muito da minha avó. Coisas de famílias numerosas. A mãe também escolheu o nome da minha outra irmã e do meu irmão, ambos mais novos. Não lhe importa nada disto, de certeza. O que lhe quero dizer é que trago comigo uma homenagem ao maior atleta de todos os tempos. O meu pai, durante o Mundial de 2014, dizia-me muitas vezes:

"Filho, estás a ver? Observa bem a forma como ele se move em campo. Não é apenas a sua capacidade física ou a inteligência nas jogadas. O Cristiano não é somente futebolista, é um atleta completo. Quando era miúdo, na Madeira, era muito pobre e jogava com uma bola de trapos numa rua íngreme, tinha de correr muito, percebes? Quando começou a jogar num campo plano, imaginas a surpresa do Cristiano? Corria como poucos."

O meu pai admirava-o fervorosamente. Sabia todos os golos, todas as jogadas, as críticas que lhe foram feitas por outros jogadores, pelo presidente da FIFA antes de ter ganhado a segunda bola de ouro. Podiam perguntar, fosse o que fosse, sobre o Cristiano? Sim, o meu pai sabia tudo e se fosse a um concurso sobre futebol tenho quase a certeza de que ganharia com facilidade. Era uma enciclopédia ambulante no que respeita ao jogo-rei. Além de ter uma fotografia com o seu jogador de eleição –a mesma fotografia que fiz questão de levar para o seu enterro–, o meu pai colou na parede da nossa sala de jantar uma fotografia enorme da família Aveiro. Todos juntos e sorridentes, em pose. Quando havia qualquer desavença, uma troca de palavras mais aguerrida, o meu pai, sempre silencioso, olhava para aquela imagem, apontava para ela como alguns apontam em reverência para santos ou deuses. A mãe de Cristiano Ronaldo, a Dona Dolores Aveiro, foi o modelo do meu pai. Ele dizia:

"Toda a educação está em saber qual dos nossos filhos pode ser vencedor, e a Dona Dolores sabia. Mandou o menino para Lisboa, para a academia de futebol, e ele chorava todos os dias. Ao telefone, a mãe garantia que tudo iria passar, que o Cristiano era o único que podia fazer alguma coisa da vida, que podia não ser pedreiro. Pelo menos foi a história que eu li."

Estas histórias -e outras- foram acompanhando a minha existência desde que me lembro. Quando fiz cinco anos, já tinha uma camisola da seleção portuguesa com as cinco quinas. Há uma fotografia desse dia de aniversário, parece que sou uma menina com aquela coisa enorme vestida. Tem graça. Como pode calcular, não era muito comum, muito menos em Bali, esta devoção pela equipa portuguesa. Ainda bem que me pergunta isso... É fácil de responder. É que, repare, historicamente, a ligação entre a Indonésia e Portugal tem várias mágoas. Timor-Leste e a invasão do governo de Jacarta em 1975 era a pedra no sapato do meu pai. Ele queria que a relação entre os dois países fosse como todos os bons desportistas: leal, transparente, constante, recíproca. Com o tempo, os dois países conseguiram estabelecer uma ponte de diálogo e de entendimento. Foram precisos muitos anos. Hoje existem boas relações, felizmente. E Timor-Leste é um país independente desde 1999. Desculpe lá esta história ser tão comprida, mas a verdade é que eu também sou um colecionador de informação. Acho que me está no sangue. O meu pai era assim. Até a minha mãe adotou a expressão portuguesa: "Tal pai, tal filho". Vou voltar à minha história, então. Tenha paciência e desculpe-me se demoro muito. Não o quero fazer perder muito tempo.

Bom, então nesse caso, se não tem pressa, eu conto como deve ser. Em 2004, quando a grande onda moveu a terra e devastou tudo e tantas pessoas no Sudoeste Asiático, a imagem de um miúdo desaparecido com uma camisola da seleção portuguesa correu mundo. O meu pai. Estou a repetir-me? Desculpe. Seja como for, poucos anos mais tarde, conheceu o seu herói. Foi um encontro fundamental na vida do meu pai. Ouvi tudo isto vezes sem fim e com um único intuito: ir atrás da bola. Ser um segundo Cristiano Ronaldo. Ser um exemplo.

Ser um exemplo não é fácil, e mesmo o futebolista português fez a sua quantidade de asneiras. Quando o dinheiro começou a entrar, os clubes passaram a disputá-lo, e era evidente que ele era o melhor. Então, algumas coisas subiram-lhe à cabeça. Depois foi crescendo e aprendendo a valorizar o que importa, o que é prioritário. Aqui entre nós, as asneiras que fez são muito poucas, e sempre foi contido. O meu pai dizia:

"Repara que, com todas as possibilidades de fazer o que quisesse e com dinheiro para isso, nunca deixou de se rodear pela família".

E, mais uma vez, lá estava eu a ver o livro de recortes que o meu pai fazia. Tinha de tudo um pouco. Crônicas de comentadores desportivos, entrevistas do jogador, fotografias. Gostava especialmente de me apontar a imagem de Dona Dolores, a mãe, sempre lá, com o neto ao colo, aquele que tem o meu nome. Temos de concordar que a senhora sempre foi uma mãe que esteve ao lado do filho. Nos momentos bons e maus. Sim, porque o Cristiano Ronaldo também teve momentos maus. Acusações, namoradas que apareciam em revistas, comentários mais tendenciosos. O talento gera muita inveja, e as pessoas são, na essência, capazes de criticar pela negativa com a mesma facilidade com que conseguem respirar. Ele aprendeu com isso.

E quando foi pai percebeu que ter um filho é ter o coração fora do corpo. Vejo que tem aí fotografias de uma criança. Pois. Imagine o coração de Dona Dolores. O coração dela deixou-o voar para Lisboa, para o livrar de um destino marcado pela pobreza. Reza a história que, quando ganhou pela primeira vez algum dinheiro, terá feito o que a maioria dos miúdos faria: gastou tudo em doces. Mais tarde, é o que dizem, com o dinheiro da primeira transferência para o clube inglês Manchester United comprou uma casa para a mãe. Não sei se é verdade, mas parece-me plausível. Uma mãe que é capaz de apostar tudo num filho é também um exemplo. E sem descurar as irmãs e o irmão. Em todos os jogos, os Aveiro, faziam claque e sempre foram defensores do menino prodígio. Contra tudo e todos. A família sempre unida. Não sei a razão que me leva a contar-lhe tudo isto, é sobejamente conhecida a história do atleta. Para ser honesto, o Cristiano é a origem do meu nome, a camisola das quinas salvou o meu pai e eu fiquei com este nome.

Então, em 2030, eu fiz onze anos. Não sabia que a minha vida iria mudar. Radicalmente. O meu pai convencera a minha mãe. Imagine, tudo organizado sem o meu conhecimento. Vi-me dentro de um avião, numa viagem sem fim, horas dentro daquele aparelho. Nunca tinha voado, estava cheio de medo das turbulências, com a mão vincada no braço do meu pai. A minha mãe ficou para trás, com a minha irmã, a chorar em silêncio. Ninguém me explicou nada. Quando cheguei à Academia do Cristiano Ronaldo, tinha, exatamente, onze anos, quatro dias e sete horas. Lembro-me de fazer as contas. A mesma idade que ele tinha quando ingressou na Academia do Sporting, certo? Ele, um menino da ilha da Madeira. Eu, um menino da ilha de Bali.

Vi o meu pai deixar-me ali, depois de várias conversas, de eu ter percebido que há muito que tudo estava planeado e que o meu pai trabalhara dois turnos no hotel, havia anos, para ter a certeza de me conseguir mandar para a Academia que o atleta fundou depois de se retirar da vida profissional. A vida na academia? É uma pergunta que me deixa sempre a pensar. É que não foi uma época fácil. Aprender português, mudar os hábitos alimentares, ter aulas e treinos todos os dias. É preciso uma disciplina férrea. A maioria das pessoas não tem ideia do que é. Mas adiante. Levei muito tempo até ver o Cristiano Ronaldo. Lembro-me como se fosse ontem. Era o dia do meu aniversário, estava a sentir muita pena de mim mesmo, queria fugir. As saudades da minha família, dos meus amigos, eram uma dor permanente que eu trazia, parecia que tinha um sufoco preso no peito. Como disse há pouco, não foi fácil.

Jogar à bola na escola é uma coisa, na rua, com os amigos, é uma coisa. Jogar todos os dias, treinar o corpo e a cabeça para jogos sérios, aprender táticas, perceber a inteligência e beleza do jogo, isso é diferente. Tudo isso foi feito com muito sacrifício, por mim e por outros. Não é fácil, nunca será fácil. Bom, eu fazia doze anos, e, de repente, na cantina, o Cristiano Ronaldo, com a mesma cara de sempre, apareceu-me a sorrir e com uma prenda debaixo do braço. Trazia consigo o filho consigo e ainda os sobrinhos. O meu português não era rudimentar, não era maravilhoso. Recordo-me de corar e de não conseguir dizer nada.

"Então, não abres a tua prenda?"

Abri o pacote. Era vermelho e tinha uns floreados e um grande laço branco. Não queria acreditar. Adivinhe lá o que foi a minha prenda. Pois, é difícil. Era um fato de treino da seleção portuguesa. Não era novo e ficava-me enorme, caso tivesse ideia de o vestir. À primeira, confesso, não percebi. Ele riu-se e acrescentou:

"Cristiano, não fiques triste. É o meu fato da seleção do mundial de 2014. Achei que tu, mais do que qualquer outra pessoa, irias gostar de ficar com ele."

Sim, quando percebi a magnitude do gesto, agarrei-me a ele, parecia ainda um gigante para mim que era tão miúdo, e abracei-o com força. Aquele fato tinha sido dele e agora era meu. Não o guardara para o filho ou para o museu que decidira abrir para exibir os seus troféus na cidade do Funchal, na Madeira. Nada disso. Era meu. Só meu. O fato passou a representar o mesmo que a camisola das quinas representava para o meu pai: sobreviver, ir a algum lado, ser um exemplo, fazer mais e melhor, não desistir. Neste caso, como disse, a ideia pode resumir-se assim: ir atrás da bola. Nesse ano, quando o Mundial começou, vi todos os jogos com o fato ao meu lado, como um amuleto. A fama de que os futebolistas são supersticiosos precede-nos e não representa qualquer exagero. Não acreditamos na sorte, queremos que ela acredite em nós. Em 2030, Portugal teve um desempenho extraordinário e chegou à final. Sofri com uma alma lusitana que desconhecia possuir, uma alma que me cresceu aqui.

Seis anos mais tarde, obtive o meu primeiro contrato como profissional. Consegui que a minha família viesse para Lisboa. O Cristiano Ronaldo ajudou-me a agilizar o processo, e o filho dele também foi impecável. Agora estamos em 2039, e eu gostaria de pedir a nacionalidade portuguesa. Quer saber porquê? Quero que em 2042, no Mundial, haja outro Cristiano Ronaldo no campo com a camisola das cinco quinas. Sim, já sei que dizem que sou arrogante. O meu mentor diz que é da idade. O meu pai já cá não está para me dizer nada. A minha mãe preocupa-se e dá-me conselhos. O melhor conselho? Isso é fácil:

"Cristiano, quando entrares em campo, deixa de pensar, concentra-te apenas no jogo. Pensa no teu pai."

A minha mãe acabou por substituir o meu pai na construção deste sonho de ver o filho a jogar à bola. Se alguma vez teve dúvidas, nunca o disse. O meu pai, infelizmente, morreu com complicações cardíacas. Exaltava-se muito com algumas coisas que eram menores, sem importância. Era quase bizarro, vindo de um homem tão calmo. Irritou-se no trabalho, não se sentiu bem, em duas horas estava morto. Voltamos a Bali, fizemos tudo o que uma família hindu faz para homenagear os mortos. Pensei em não regressar. A minha mãe recusou-se.

Já não há nada aqui para nós. A nossa vida é em Portugal, e o teu futuro está lá.

Portanto, é simples: Portugal sempre foi o meu futuro, o da minha família. Mesmo para a minha irmã. Assim que cá chegou, iniciou os estudos acadêmicos e hoje é especialista em gestão desportiva. É a maior adepta da seleção nacional que conheço. Mas isso é o que dizemos todos. As famílias são refúgios muito importantes. O maior consolo. A minha irmã avisou-me várias vezes sobre a comunicação social. O Cristiano Ronaldo, agora que já não usa dois brincos, diz que não tem idade para isso.

- Tenho cinquenta e três anos, pá. Essa época já passou.

E sorri. Como sempre sorriu. Com uma cara de menino, vejo-o a gerir a academia com punho de ferro, a fazer comentários desportivos com uma acutilância que, julgo, poucos têm. Hoje é respeitado por todos, é um herói nacional. Apesar desse estatuto, não fica quieto. Opta por dar bolsas de estudo para quem quer estudar, recebe miúdos como eu, vindos do mundo inteiro, que querem aprender futebol. Talvez tenha mudado um pouco. Mas continua a ser um homem grande, bem-posto, que treina todos os dias. Recentemente, fizeram-lhe uma sessão de fotografias lá na Academia, e posso dizer que a sua boa forma provoca inveja a muitos jovens que andam por aí.

Algumas pessoas acusaram-no de ser arrogante. Nunca o entendi assim. E, mesmo que fosse o caso, o meu pai provar-me-ia, como tantas vezes fez, que o Cristiano Ronaldo não foi apenas um jogador de futebol. É, ainda agora, um atleta completo, exigente, extremamente trabalhador. Um homem que percebeu as suas limitações e que tudo fez para as diminuir. Um homem que aparecia em festas com brincos de diamante. Sim, também é esse jovem das fotografias e imagens antigas. Hoje talvez seja mais interessante conhecê-lo. No ano em que abandonou a carreira, com quarenta e dois anos, dedicava-se oito horas por dia a vários tipos de treino e já tinha incorporado o ioga na sua rotina há mais de dez anos. Percebeu que o ioga o ajudava a respirar de outra forma. Um dia, contou-me que tivera uma conversa extraordinária com o jogador galês Ryan Giggs. É de salientar que, com quarenta anos, Giggs ainda jogava no Manchester United. O jogador estava convicto de que a longevidade da sua carreira se devia ao ioga e ao pilates, outras técnicas para trabalhar o corpo. O Cristiano era muito novo quando conheceu Ryan Giggs, mas não se esqueceu. Anos mais tarde, além de tudo o que fazia fora dos treinos de campo, optou por experimentar as opções do galês. E com sucesso, como se sabe. Fez uma longa carreira. Hoje mantém-se em forma, e eu vejo-o muitas vezes. Ele pergunta:

"Manténs o ioga? A meditação? "

"Sempre, mestre, sempre."

Trato-o assim, por mestre, por não ter conseguido arranjar uma palavra melhor. Ele vem ver os treinos, faz recomendações, almoça connosco. Não é pessoa difícil de abordar, pelo contrário. E digo-lhe: se o Cristiano Ronaldo der com uma criança a olhá-lo com admiração, é ele que a chama. Não se importa de tirar fotografias com miúdos, acho que é um dos momentos preferidos dele. Há qualquer coisa nele que nos garante que é possível. Muitas pessoas podem estar convictas de que se trata de carisma. Pode ser. Ele é um homem que entra numa sala e dá-se uma espécie de mudança de atmosfera. Sim, eu sei que sou um fã incondicional, há quem me goze por causa disso. Existem outros jogadores de quem gosto muito, e sou um privilegiado por jogar no clube onde jogo há dois anos. Tratam-me bem. Sou respeitado. Os meus colegas estão comigo, e eu com eles. A união é importante para a dinâmica de grupo, é o que o mister está sempre a repetir. Já o disse ao Cristiano, e ele perguntou-me:

"Mas tens alguma dúvida? Achas que é possível fazer um jogo sozinho? Não, o jogo é a equipa, a equipa é o jogo. Essa é a beleza do futebol. Sermos uns para os outros em campo."

"Mesmo que uns brilhem mais que outros?"

"Precisamente para uns brilharem mais do que outros, é assim, não há nada a fazer. Se metes um golo, metes um golo, mas a pergunta que deves fazer é: quem é que te ajudou a conseguir aquele resultado? Percebes? Isso é a equipa, e a equipa é como uma família. Para uns crescerem, outros amparam."

Pela minha saúde, isto são as palavras dele. Sem tirar, nem pôr. Nunca me esqueço do que me diz. Nunca. E tomo nota. E, pode parecer estúpido, mas mantenho o arquivo que o meu pai tinha começado. Tenho um arquivo sobre o número sete que o senhor nem imagina. A minha namorada, é da cidade de Évora, chama-se Maria do Céu, nome que herdou da avó, diz que às vezes se interroga sobre o meu amor por ela, se consigo amá-la quando amo o futebol com esta garra e força. Claro que é apenas uma brincadeira, não há limites para o amor, não concorda comigo?

Não sei se o senhor doutor, como advogado, precisa de mais razões para o meu pedido de nacionalidade. O clube diz que apoia, tenho a certeza de que os adeptos também. Raramente vou à Indonésia, a minha casa é esta. E o meu sonho? O Mundial. A única coisa de que gostaria, e não sei se consigo, confesso, é vestir uma camisola com o número sete. Isso faria o meu pai muito feliz. Onde ele estiver. E, olhe, devo dizer-lhe que, se os uniformes ainda fossem os mesmos, garanto-lhe que vestiria o fato que o Cristiano Ronaldo vestiu em 2014. Lembra-se desse ano? Que ano. Ele ganhou a segunda bota de ouro, logo a seguir ao grande Eusébio falecer. Portugal vivia um período conturbado, de austeridade, com problemas econômicos sérios.

O futebol sempre contribuiu para alegrar e para unir as pessoas. Um povo revê-se nos seus heróis. O meu pai, com sete anos, sobreviveu ao tsunami por ter uma camisola das quinas. Era a sua crença, acreditava no poder protetor das cinco quinas. Quem sou eu para o desmentir? Diga-me lá, acha que o pedido de nacionalidade é um processo complicado? Ah. Ainda bem. É que o meu coração é como o do Cristiano Ronaldo: português.

PATRÍCIA REIS é jornalista e escritora portuguesa, autora de, entre outros, "Amor em Segunda Mão" (D. Quixote).


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