Folha de S. Paulo


Dois poemas de Sérgio Medeiros sobre Nova York

SOBRE O TEXTO Sérgio Medeiros é poeta, autor de "O Choro da Aranha Etc." (7Letras), e tradutor do "Popol Vuh" (Iluminuras). Os poemas abaixo farão parte do livro "Viagens e Passeios às Ilhas", a sair pela Iluminuras, em data não definida.

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A PRÓXIMA VIAGEM

[Eis alguns postais antigos: eu os ofereço aos
turistas nostálgicos que irão em breve a Nova York.]

- murcho na calçada o rato sorridente
se levanta de repente aparecendo enorme
acima dos carros estacionados e continua
a se encher de ar enquanto mãos o amparam
pelas costas até deixá-lo perfeitamente
ereto

- no totem escuro colado à parede pode-se
introduzir o braço pois é inteiramente oco
e não toca o chão apenas o teto

- a mulher protege a bolsa e o braço
esquerdo sob o guarda-chuva mas
estica para fora dele o braço que
segura o cigarro aceso batendo nele
para fazer a cinza cair na calçada
molhada pela garoa

- em cada carro estacionado ao lado
do parque é colocado sobre o capô
um grande cone colorido como um chifre
de unicórnio

- passada a chuva o sol brilha ao meio-dia
enquanto na calçada um funcionário limpa
com um pano o corrimão dourado do
departamento de polícia da cidade de Nova
York

- táxis amarelos passam juntos na
sombra que as árvores do parque
lançam amplamente na Avenue of the
Americas

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A ILHA DE TRISHA BROWN

Roupas brancas que vestem bailarinos. Calças. Camisas. Algumas são lançadas no chão do palco.
Deslizam. Deslizam depressa. Primeiro sem pressa. Bem devagar.
Levadas embora pelo vento de grandes ventiladores ruidosos. Vários ventiladores.
Que num extremo do palco atraem bailarinos.
As peças de roupa branca vão parando no palco enroladas em si mesmas.
Estremecem. Poderão ainda escorregar no chão liso um pouco mais. Para a frente. Ou para os lados.
Depois elas pararão. Definitivamente. Mais tarde virão recolhê-las. Ao final do espetáculo.
Findos os aplausos


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