Folha de S. Paulo


Respostas de Diana Klinger

DIANA KLINGER
crítica literária, autora de "Escritas de Si, Escritas do Outro: o Retorno do Autor e a Virada Etnográfica" (ed. 7 Letras)

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A Feira de Frankfurt e os programas da política do livro mantidos pelo governo (bolsas de tradução, bolsas de criação, criação de festivais) trouxeram resultados significativos para a produção artística?

Sim, esses programas contribuíram para a difusão da literatura brasileira no exterior.

Existe uma "globalização" dos temas?

Sim, evidentemente, vivemos numa cultura globalizada e os mesmos temas se repetem em autores de diferentes nacionalidades.

A chamada autoficção, voltada para o próprio eu, para a própria experiência, parece ser um dos mais fortes motes da produção literária dos últimos anos. Alguns estudos apontam uma exacerbação da subjetividade, que seria vista como um valor de autenticidade. Como avalia essa questão? Quais implicações disso na literatura brasileira?
Acho que não devemos cair na armadilha da autenticidade. Muitos leitores se sentem atraídos por essa promessa de possível acesso à intimidade do autor. Isso responde a uma generalizada "fome de realidade" propiciada pela cultura midiática. O mercado editorial, com seus diferentes atores (editoras, festivais, imprensa) contribui bastante para fomentar essa "armadilha da autenticidade", e muitas vezes acaba colocando a figura do autor na frente da obra. No entanto, a autoficção que me interessa é muito mais uma performance, uma encenação, um jogo de indecibilidade entre realidade e ficção, uma desnaturalização da narrativa autobiográfica.

A literatura, se voltada para o eu, para a própria experiência, pode ser política?
A experiência pessoal não é, em absoluto, incompatível com a política, muito pelo contrário. No meu livro, "Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica" (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012), tento mostrar precisamente isso, a questão ética e política que pode estar envolvida ao falar de si, na medida que se desmascara a pretensa objetividade e neutralidade do discurso realista, com seu narrador impessoal, anônimo. Isso não significa, evidentemente, que toda escrita do eu seja política: também há muito de narcisismo e de banalidade na literatura autoficcional.
Entre os exemplos de uma escrita que parte de uma situação autobiográfica mas tem um forte conteúdo político podemos pensar, por exemplo, no romance "E a Noite Roda", da portuguesa Alexandra Lucas Coelho, publicado pela editora Tinta da China, os livros de Silviano Santiago, como "Viagem ao México", alguns textos de Ricardo Lisias, a poesia de Tâmara Kamenszain, entre outros.

Existe uma desagregação do romance como forma convencional –pela fragmentação, pela intervenção gráfica?
Existe sim, embora essa desagregação não é nova na literatura universal. Podemos mencionar, por exemplo, "O Jogo da Amarelinha", o romance que o escritor argentino Julio Cortázar publicou nos anos sessenta, como uma série de capítulos breves que podiam ser lidos linearmente ou seguindo um tabuleiro de instruções que mudava completamente a ordem. Temos os romances de Georges Perec, por exemplo, como "La Disparition", um romance inteiro escrito sem nenhuma, absolutamente nenhuma letra "e". Por sinal, na França existiu o grupo OULIPO, do qual ele fez parte, que fez muitas experimentações com a narrativa. Mas não podemos esquecer que entre as experiências mais inovadoras da história da literatura se encontram "Dom Quixote", de 1605, e "Tristam Shandy", de Laurence Sterne, publicado em 1759.

No Brasil, a experiência mais radical em termos de fragmentação e intervenção gráfica é, a meu ver, "Eles Eram Muitos Cavalos", de Luiz Ruffato, um romance publicado há mais de uma década.

Antologias, coletâneas temáticas, seletas de escritores e outras iniciativas que partem do mercado editorial são frutíferas? Beneficiam a produção?

Em geral, as antologias e coletâneas temáticas são propostas mercadológicas, mas também ajudam a difusão de autores e obras.

As oficinas de criação literária, que abundam nos últimos anos, "moldam" a literatura que se produz hoje?

Eu não diria que moldam, o que acontece, talvez mais no caso da poesia dá para reconhecer as pegadas dos autores consagrados, que ministram as oficinas, na escrita dos mais novos poetas.


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